Um milhão de habeas corpus no STJ: mais ou menos justiça?

O instrumento jurídico mais ágil para preservar o direito à liberdade, quando utilizado de forma desvirtuada – às vezes totalmente abusiva –, acaba por prejudicar a própria prestação de justiça a quem precisa.



Ao longo do dia 12 de dezembro de 2024, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) recebeu 625 habeas corpus – um número tão elevado quanto comum na rotina da corte –, mas o conteúdo de um deles chamou atenção: trazia o pedido de prisão do presidente da Rússia, Vladimir Putin, sob o argumento de que a medida seria necessária para cumprir decisão emitida pelo Tribunal Penal Internacional.

Classificado pelo presidente da corte, ministro Herman Benjamin, como “inusitado“, o caso é curioso não apenas pelo personagem em questão, mas pela contradição entre o pedido e a natureza do habeas corpus – instituto criado para assegurar a liberdade da pessoa, não para restringi-la.

Ainda assim, a petição, como todas que chegam à Justiça, precisou ser analisada e decidida – não apenas de forma monocrática, mas também em colegiado e pela Vice-Presidência do STJ, após sucessivos recursos internos –, juntando-se aos mais de um milhão de habeas corpus recebidos pelo tribunal em sua história – marca atingida em 30 de abril deste ano.

Em uma era marcada pelo avanço da litigância em larga escala, o habeas corpus ocupa lugar central no cotidiano do STJ. Concebido para ser acionado diante de ameaça ou coação ilegal ao direito de ir e vir, tornou-se, ao longo dos anos, uma das ações mais manejadas na Justiça brasileira, revelando não apenas o alcance democrático do instituto, mas também o uso distorcido que dele tem sido feito.

Por trás da impressionante quantidade de habeas corpus impetrados no STJ, emergem questões como as fragilidades do sistema recursal, as dificuldades estruturais das cortes sobrecarregadas e a defasagem entre legislação e jurisprudência.

As consequências vão muito além do atraso na tramitação dos processos. O excesso de habeas corpus, especialmente nos colegiados de direito penal, tem prejudicado o cumprimento da missão mais importante do STJ: uniformizar a aplicação das leis por meio do julgamento do recurso especial.

Impetrações sem suporte legal mínimo justificam a aplicação de multas

Absurdos como o requerimento de prisão do presidente russo não são raros. No plantão judiciário de 20 de dezembro de 2024 a 31 de janeiro deste ano, foram protocolados no STJ habeas corpus para impedir a cantora Cláudia Leitte de participar de uma audiência pública e invalidar um pregão eletrônico do Tribunal Superior do Trabalho para aquisição de itens utilizados em eventos.

Após analisar uma série de habeas corpus de um mesmo impetrante, o presidente do STJ aplicou multa de R$ 6 mil pela reiteração de pedidos sem qualquer base constitucional ou legal. O comportamento – que, segundo afirmou Herman Benjamin no julgamento do HC 980.750, configura ato atentatório à dignidade da Justiça e litigância ímproba – foi punido com base no artigo 77, II e IV, e parágrafos 2º ao 5º, do Código de Processo Civil (CPC), entre outros dispositivos legais.

Em 2024, muitas situações semelhantes foram identificadas nos mais de 89 mil habeas corpus analisados apenas pela Terceira Seção – órgão do STJ que julga os casos da área criminal.

Características do habeas corpus o tornam um instrumento atrativo

A lista de habeas corpus manifestamente incabíveis, com temas que passam longe de qualquer violação ao direito de locomoção, é extensa e variada. A corte já recebeu, por exemplo, um pedido de guardas municipais para obter porte de arma. Em outro caso, o impetrante pretendia uma espécie de “licença para beber e dirigir”: ele queria um habeas corpus preventivo para não se submeter ao exame de bafômetro.

Houve ainda o habeas corpus manejado contra o Tribunal de Justiça do Piauí para questionar a substituição do peticionamento em papel pelo peticionamento eletrônico. Na ocasião, a ministra Laurita Vaz (aposentada), relatora, definiu a pretensão como “descabida” e afirmou que demandas como aquela só contribuíam para o abarrotamento dos tribunais.

A preocupação manifestada por Laurita Vaz e pelo presidente do STJ se confirma em números. O tribunal demorou 30 anos para atingir a marca de 500 mil habeas corpus, mas levou apenas seis anos para dobrar o quantitativo.

O cenário da Terceira Seção ilustra o problema. Segundo o ministro Ribeiro Dantas, que presidiu o colegiado de março de 2023 a fevereiro de 2025 e é o relator do HC 1.000.000, os habeas corpus correspondem a quase 70% dos casos analisados nos órgãos julgadores de direito penal. “Isso desfigura, de certa maneira, o que se espera da jurisdição do STJ em matéria criminal”, avalia o magistrado.


Previsto no artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, o habeas corpus é um poderoso aliado na proteção do direito à liberdade de locomoção, pois é gratuito, não exige maiores formalidades e tem tramitação mais rápida. 

Na mesma linha do texto constitucional, o atual Código de Processo Penal (CPP) dispõe no artigo 647: “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.”

Devido às suas características, o habeas corpus se tornou um instrumento atrativo também para quem deseja outras coisas que não preservar a liberdade do indivíduo diante de coações ou ameaças ao direito de locomoção. Não é de estranhar, portanto, o aumento de sua utilização nos últimos anos, sobretudo com a facilidade de acesso aos tribunais trazida pelo processo eletrônico.

O que mais preocupa o Judiciário, pelo volume, não são nem os pedidos que de tão despropositados chegam a soar folclóricos, e sim o uso do habeas corpus como panaceia para tentar reformar toda e qualquer decisão desfavorável no processo penal – inclusive proferidas em outros habeas corpus –, em substituição aos recursos previstos na legislação.

História da Justiça no Brasil revela uso amplo do habeas corpus

A utilização do habeas corpus no Brasil é antiga. Ribeiro Dantas conta que ele surgiu no país por meio de decretos, nos tempos do Império, mas a sua introdução expressa no ordenamento jurídico se deu no CPP de 1832. A Constituição republicana de 1891 elevou o instituto à categoria de garantia constitucional.

“É essa Constituição (não se sabe até hoje se foi de propósito ou se foi um esquecimento, isto é, se foi um silêncio simples ou um silêncio eloquente) que diz que se daria habeas corpus para qualquer violação por ilegalidade ou abuso de poder. Não se explicitava que era o direito à livre locomoção”, recorda o ministro.

Com isso, prossegue Ribeiro Dantas, advogados reivindicavam diversos direitos por meio de habeas corpus, e o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecia o caráter mais amplo da ação. Apenas em 1926, uma emenda constitucional definiu que o habeas corpus deveria ser impetrado para assegurar a liberdade de locomoção. Mesmo assim, o instrumento já havia se consolidado, nas palavras do magistrado, como um “bebê grandão”.

Modelos adotados em outros países são mais restritivos

O ministro Rogerio Schietti Cruz, membro da Terceira Seção e presidente do Núcleo de Gerenciamento de Precedentes e de Ações Coletivas (Nugepnac) do STJ, aponta que o habeas corpus, de fato, se estabeleceu como um instrumento de uso mais extenso e flexível, especialmente em comparação com modelos adotados em outros países.

“No Brasil”, relata Schietti, “o habeas corpus foi ampliando seu leque de incidência de tal modo que, hoje, tudo que ocorre no processo penal, ou mesmo antes dele, pode ser objeto de um habeas corpus. É uma tradição nossa difícil de mudar, porque se você, de alguma forma, criar limitações, isso causará reações, além da desproteção a alguns direitos que são alcançados por uma interpretação bem ampla do instituto”.

A dificuldade para limitar o habeas corpus à sua finalidade expressamente prevista na Constituição e no CPP tem a ver também com o fato de que o Brasil viveu – em um passado não muito distante – mais de 20 anos de ditadura militar. Nesse período, entre as muitas arbitrariedades perpetradas pelo Estado, houve a edição do Ato Institucional número 5 (AI-5), cujo artigo 10 suspendeu a concessão do habeas corpus nos casos enquadrados como “crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular”.

Com a redemocratização, a chamada Constituição Cidadã de 1988 restabeleceu o devido processo legal, e o habeas corpus – impulsionado pelo sentimento de rejeição ao arbítrio anterior – passou a ser admitido na jurisprudência para corrigir situações apenas indiretamente ligadas à liberdade de locomoção.

Habeas corpus substitutivo de recurso próprio e overruling

Segundo o defensor público Marcos Paulo Dutra, coordenador de Defesa Criminal e do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, o habeas corpus, atualmente, simboliza a democratização do acesso à Justiça e é um instrumento fundamental para a superação de entendimentos jurisdicionais (overruling).

“Quando pensamos na guinada promovida pelo STJ a respeito do reconhecimento pessoal e fotográfico, isso se deu por meio do habeas corpus, o que é sensacional”, afirma o defensor.

Ao falar sobre o aumento das impetrações, ele lembra o debate jurisprudencial em torno da admissibilidade do chamado habeas corpus substitutivo de recurso especial ou substitutivo de recurso ordinário constitucional.

“O STJ tem uma jurisprudência consolidada que não admite o denominado habeas corpus substitutivo. Mas, em muitíssimos casos, os ministros, com acerto, evoluem e acabam concedendo a ordem de ofício, tamanhas as teratologias identificadas”, observa Dutra.

Via paralela mais ágil e desestímulo ao uso do recurso especial

Na avaliação do advogado criminalista Caio César Domingues de Almeida, autor do livro Habeas Corpus na Jurisprudência dos Tribunais Superiores, a atual arquitetura recursal tem levado os operadores do direito a enxergar no habeas corpus uma via paralela – e mais ágil – para garantir a apreciação de questões urgentes, especialmente quando há alguma possibilidade de risco à liberdade do acusado.

Para ele, o sistema atual desestimula o uso regular do recurso especial, cujas exigências procedimentais muitas vezes inviabilizam o exame do mérito.

Como forma de enfrentar o número excessivo de habeas corpus, o advogado sugere uma flexibilização que permitisse à defesa pleitear medidas de urgência diretamente no corpo do recurso especial, à semelhança do que já ocorre com a concessão de habeas corpus de ofício em certos casos. “Essa possibilidade traria mais segurança aos advogados, que hoje recorrem ao habeas corpus temendo que a discussão de direito nem sequer seja apreciada nos tribunais superiores”, diz.

Ministro alerta para necessidade de atualização do CPP

Essa percepção encontra eco no próprio STJ. O ministro Ribeiro Dantas alerta que o uso massivo do habeas corpus se relaciona diretamente com a defasagem do CPP, em vigor desde 1941. Para ele, a legislação brasileira não foi atualizada para lidar com a complexidade e as demandas do processo penal contemporâneo, especialmente no que se refere à celeridade na análise de decisões interlocutórias que afetam a liberdade do réu.

Ribeiro Dantas traça um paralelo histórico com o uso excessivo do mandado de segurança entre as décadas de 1970 e 1990, quando esse instrumento funcionava como uma espécie de “válvula de escape” para ineficiências do processo civil.

Segundo ele, somente após reformas profundas no CPC – que tornaram os mecanismos recursais mais funcionais e acessíveis –, o mandado de segurança perdeu seu caráter emergencial e passou a ser utilizado de forma mais racional. No processo penal, no entanto, o ministro destaca que faltam instrumentos processuais adequados para lidar com situações que não podem esperar.

“Nesses casos, o habeas corpus muitas vezes se apresenta como a única via rápida e eficaz, diante de recursos ordinários excessivamente formais, complexos e morosos”, comenta o ministro.

Leis em descompasso com jurisprudência geram “avalanche” de ações

Para o jurista Guilherme de Souza Nucci, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, o maior problema não se encontra no manejo do habeas corpus ou na esfera do processo penal, mas sim na falta de atualização de alguns normativos, como a Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas).

O magistrado, que é autor de obras na área do direito penal e do direito processual penal, aponta que as drogas respondem por mais de 50% da carga de trabalho da Justiça criminal, mas esse dado não recebe a devida atenção por parte do legislador. O resultado dessa lentidão é que os tribunais superiores acabam definindo parâmetros que já poderiam estar no texto legal, como é o caso da descriminalização, decidida no STF, do porte de até 40 gramas de maconha para uso pessoal.

Outro exemplo citado pelo magistrado diz respeito à incidência do princípio da insignificância. Ele lembra que, nesse caso, o STJ já estabeleceu filtros em sua jurisprudência.

“Mas onde está na lei? Não tem. Então, o advogado vai reclamar junto ao STJ o tempo todo. Nós temos que atualizar a lei penal utilizando os próprios institutos que os tribunais estão adotando, para que pare a avalanche de habeas corpus reclamando, muitas vezes, o óbvio”, declarou Nucci.

Uma resposta efetiva diante da violação de direitos

Em meio ao debate sobre o uso excessivo do habeas corpus, a história do vídeo abaixo mostra como, apesar das distorções e do volume preocupante de impetrações, esse instrumento continua a representar uma resposta efetiva à violação de direitos fundamentais. No caso de Romário dos Santos, foi a decisão do STJ no HC que fez a diferença entre uma condenação injusta e o restabelecimento da paz em sua vida.​

A série especial HC 1 milhão: mais ou menos justiça? debate o aumento expressivo do uso desse instrumento constitucional, trazendo diferentes pontos de vista sobre o fenômeno e o seu impacto nas atividades dos tribunais.

No próximo domingo: o papel de cada ator do Sistema de Justiça no ingresso massivo de habeas corpus no STJ.

Fonte: STJ

Empregada transexual não reconhecida por nome social será indenizada

A 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou uma empresa de teleatendimento a indenizar em R$10 mil uma empregada transexual por conduta discriminatória.

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Para o colegiado, situações como não ser reconhecida pelo nome social e restrição ao uso do banheiro feminino caracterizam transfobia por parte da empresa.

Segundo o processo, a empregada foi admitida em maio de 2021 como operadora de telemarketing. Ela afirma que nunca teve seu nome social respeitado pela empresa, mesmo com todos sabendo que ela era uma mulher transexual.

Sofrendo com os preconceitos, ela disse que chegou a procurar a direção para relatar as condutas discriminatórias, sendo bem recebida. Poucos dias depois, todavia, foi demitida.

Em agosto de 2023, a primeira instância condenou a empresa a indenizar a trabalhadora em R$ 10 mil por conduta de transfobia no ambiente de trabalho e dispensa discriminatória. Em sequência, a sentença foi confirmada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região (BA). Diante da decisão, a empresa recorreu ao TST.

‘Ambiente saudável’

No recurso, a empresa declarou que sempre procedeu de maneira correta ao propiciar um ambiente de trabalho saudável e inclusivo para todos.

Acrescentou que, apesar de a empregada ter apresentado, na contratação, documentos pessoais com nome de batismo e ter sua certidão de nascimento expedida após o fim do contrato, sempre esteve aberta a lhe dar o tratamento requerido, ou seja, o nome social.

Ainda no recurso, a empresa observou que a empregada prestava serviços em uma instituição bancária, com rígidas regras de segurança e informação.

Por isso, o nome social apenas poderia ser incluído em tais documentos caso ela fizesse a mudança do seu nome em registro. A empregadora lembrou que o nome social da empregada fazia parte dos canais internos da empresa e no crachá utilizado por ela.

Quanto ao uso do banheiro, a empresa informou que estes eram utilizados conforme a identidade de gênero, sem qualquer restrição. A empresa também rechaçou a alegação de demissão discriminatória, disse que nada foi provado e que a companhia sempre prezou pela diversidade.

Violação grave de direitos

Ao analisar o caso, a 2ª Turma do TST considerou correta a condenação da empresa ao pagamento de indenização por danos morais.

Segunda a relatora do processo, ministra Maria Helena Mallmann, os fatos narrados evidenciaram violação grave aos direitos da empregada, gerando angústia e constrangimento incompatíveis com o dever de respeito à dignidade humana.

De acordo com a ministra, assim como órgãos públicos, empresas privadas devem respeitar o nome social dos funcionários e dos clientes. “O nome social é a forma pela qual a pessoa trans se identifica e quer ser reconhecida socialmente nas diferentes instituições”, observou Mallmann.

A ministra observou que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADO 26 e do MI 4.733, reconheceu a transfobia como espécie de racismo, vedando práticas discriminatórias contra pessoas transgênero. “A recusa em utilizar o nome social configura afronta à dignidade humana e gera danos morais”, frisou a relatora.

Por fim, quanto à restrição ao uso do banheiro feminino, a ministra ressaltou que o direito ao uso do banheiro condizente com a identidade de gênero resulta da proteção à igualdade e à dignidade, sendo a restrição a esse direito uma forma de discriminação direta.

“Promover a diversidade de gênero é um passo essencial para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva”, concluiu a relatora. Com informações da assessoria de imprensa do TST. 

Clique aqui para ler o acórdão
Processo 
0000416-46.2022.5.05.0029

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CJF comunica a publicação do Cronograma de Desembolso Mensal da Justiça Federal

A disponibilização dos valores na conta das(os) beneficiárias(os) está prevista para agosto

O Conselho da Justiça Federal (CJF) publicou no Diário Oficial da União (DOU) de 7 de maio de 2025 o Cronograma de Desembolso Mensal da Justiça Federal, com a programação financeira necessária para atender ao pagamento dos precatórios federais sob responsabilidade da Justiça Federal, referente ao exercício de 2025, que será encaminhada aos respectivos TRFs em julho.

A efetiva disponibilização dos valores na conta das(os) beneficiárias(os), em face dos procedimentos administrativos internos nos tribunais e instituições financeiras, está prevista para ocorrer até a primeira quinzena de agosto.

Fonte: CJF

Posted in CJF

Procurador diz que “pejotização” é forma de burlar legislação

O titular da Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho do Ministério Público do Trabalho (MPT), o procurador Renan Kalil, disse que a “pejotização” é uma forma de burlar a legislação trabalhista.

Em entrevista à Agência Brasil, Kalil afirmou que a pejotização é uma fraude. 

“Ela ocorre quando alguém quer contratar um trabalhador, ou seja, que precisa de alguém que trabalhe com subordinação, que cumpra um horário, que vai receber um salário fixo, enfim, que preencha os requisitos da relação de emprego, mas ele [o empregador] opta por contratar essa pessoa como pessoa jurídica, como forma de fraudar a legislação trabalhista, de mascarar a relação de emprego”, afirmou.

Segundo ele, para que contratação de uma pessoa jurídica seja considerada legítima, é preciso que ela cumpra três requisitos: a transferência da atividade contratada pelo tomador de serviço para a PJ contratada, a autonomia da empresa contratada e a capacidade econômica da PJ para desenvolver o trabalho. Esses critérios, de acordo com o procurador, não são encontrados nas relações de trabalhos “pejotizadas”.

“Isso não quer dizer que não possa haver uma contratação de pessoa jurídica, que a gente não possa ter um trabalho autônomo que seja realizado de forma autêntica”, explica. “Quando temos um trabalho pejotizado, não encontramos nenhuma dessas três características. É por causa disso que a gente identifica que a lei não está sendo corretamente observada. O trabalhador pejotizado não tem direito trabalhista algum”.

“Pejotização” é um termo usado para caracterizar contratações de trabalhadores como pessoas jurídicas (PJ) pelas empresas, em vez de assinar a carteira de trabalho. Essa modalidade ganhou força com a reforma trabalhista, realizada em 2017, que permitiu a terceirização do trabalho para atividades-fim da empresa.

Desde então, milhares de processos chegaram às varas da Justiça do Trabalho, em que trabalhadores contratados como PJ buscavam reconhecimento de vínculo empregatício. De acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT), de 2020 a março de 2025, foram ajuizadas 1,21 milhão de reclamações trabalhistas sobre o assunto.

Em abril deste ano, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes decidiu suspender todos os processos sobre pejotização de trabalhadores no país. 

A decisão do ministro do STF gerou reação de magistrados, procuradores e advogados trabalhistas, que realizaram, nessa quarta-feira (7), manifestações em cidades como o Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, para destacar a importância da competência da Justiça do Trabalho sobre essa questão.

Fonte: EBC

Juiz não deve mudar valor de multa por descumprimento que já incidiu, reforça STJ

Ao analisar casos que apontam a exorbitância da multa por descumprimento de decisão judicial, o juiz só deve alterar o valor do que ainda vai incidir, preservando o que já incidiu por causa da recalcitrância do réu.

Valor da multa por descumprimento de decisão pode ser revisado, mas o total deve ser mantido devido à recalcitrância do réu

Essa conclusão é da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, que manteve o veto às seguidas revisões das chamadas astreintes, sempre requeridas por quem ignorou ordens judiciais.

A ideia é que essa multa possa ser alterada ou até excluída pelo juiz a qualquer momento. Mas, uma vez feita a alteração, não serão lícitas novas e sucessivas revisões, sob pena de desestimular o devedor a cumprir a obrigação.

Assim, a mudança só vale para a “multa vincenda”, termo usado no artigo 537, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil, que regula o tema das astreintes.

Trata-se da confirmação de um precedente firmado pela própria Corte Especial pouco mais de um ano atrás. Apesar disso, a votação foi apertada, de 7 votos a 5.

Multa por descumprimento

O caso concreto é o de uma financeira que foi alvo em 9 de fevereiro de 2012 de decisão liminar, confirmada em sentença, que estabeleceu obrigações e o pagamento de R$ 36 mil a título de lucros cessantes.

O juízo de primeiro grau impôs multa diária de R$ 250 pelo descumprimento da obrigação, limitada a R$ 75 mil. Ou seja, o limite seria alcançado se a recalcitrância durasse 300 dias.

Diante da inércia da financeira, o juiz posteriormente aumentou a multa diária para R$ 1 mil e retirou a previsão de limite. A medida judicial só foi cumprida em 13 de maio de 2016, mais de quatro anos depois (1.555 dias).

Valor da multa

A discussão sobre a exorbitância do valor começou quando a parte tentou executar provisoriamente o valor da multa, que já alcançava R$ 2,1 milhões, levando em conta o fato de que o contrato entre as partes tinha valor de R$ 96,6 mil.

A redução da multa foi rejeitada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em 2018. Em 2021, a 3ª Turma do STJ julgou o caso em recurso especial e entendeu que o valor diário era, de fato, exorbitante. E reduziu-o de R$ 1 mil para R$ 300.

O colegiado concluiu que poderia reavaliar a proporcionalidade do valor diário da multa, mas não o montante acumulado, já que esse deriva da recalcitrância do devedor em cumprir a ordem judicial.

A financeira, então, recorreu à Corte Especial do STJ, em embargos de divergência. O advogado da empresa, na sustentação oral, disse que o valor atualizado da multa ultrapassa R$ 1 milhão.

Proposta de superação

Relator, o ministro João Otávio de Noronha votou por reduzir o acumulado da multa para R$ 200 mil, com base nos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e do não enriquecimento sem causa.

Para isso, tomou como base um julgado da 4ª Turma (AREsp 2.558.173) que desrespeitou o precedente da Corte Especial no sentido de que o artigo 537, parágrafo 1º, do CPC não se restringe à multa vincenda, podendo atingir a multa vencida.

Noronha, que não participou do julgamento de 2024 sobre o tema na Corte Especial, propôs a revisão dessa posição. Ele ficou vencido, acompanhado do ministro Sebastião Reis Júnior e dos colegas de 4ª Turma (os ministros Isabel Gallotti, Raul Araújo e Antonio Carlos Ferreira).

Desestímulo à recalcitrância

Abriu a divergência vencedora o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, que foi o relator do precedente da Corte Especial de 2024, o qual definiu como vinculante, apesar de ter sido tomado em embargos de divergência.

Para ele, o valor acumulado decorre da recalcitrância da financeira em cumprir a ordem judicial. Reduzi-lo implicaria estímulo para novos descumprimentos.

Cueva ainda fez referência a uma fala recente do presidente do STJ, ministro Herman Benjamin, que fez um alerta para a existência da litigância abusiva reversa, causada por empresas que dão origem a milhares de processos por sua própria conduta.

“Nesse caso, como em tantos outros, o pano de fundo é a litigância abusiva reversa da instituição financeira, que deve ser combatida com firmeza, o que certamente não ocorrerá se a corte, contrariando texto expresso da lei, decidir pelo enfraquecimento da técnica processual que dá efetividade à tutela jurisdicional.”

Formaram a maioria os ministros Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Og Fernandes, Benedito Gonçalves, Francisco Falcão e Nancy Andrighi.

Corrupção e teratologia

Na corrente vencida, o ministro Raul Araújo destacou que a revisão do valor da multa já incidente no caso concreto deve ser possível para evitar que isso se torne fonte de corrupção no Poder Judiciário.

“Não podemos esquecer que a fixação de multas para além daquilo que é razoável fragiliza bastante a parte que é obrigada. Há possibilidade de conluios, que infelizmente ocorreram em situações do passado”, destacou Araújo.

“Foi com base nesses cuidados que o STJ sempre estabeleceu a possibilidade de revisão do valor das astreintes a qualquer tempo, fator essencial para coibição de episódios muito tristes no Poder Judiciário”, acrescentou ele.

A ministra Isabel Gallotti seguiu linha parecida ao apontar que o alto valor das multas por descumprimento acaba se tornando fator de descrédito dos tribunais, pois convertem-se em obrigações impossíveis de cumprir.

Ela admitiu a renitência de instituições financeiras, mas destacou que há frequentes comportamentos de credores que preferem deixar a multa acumular do que pedir providências simples para o cumprimento da obrigação judicial.

“Penso que esta corte haverá de revisitar esse tema, até para evitar teratologias. Há multas que são teratológicas e acabam com o descrédito do Poder Judiciário.”

EAREsp 1.479.019

Fonte: Conjur

Juízes se mobilizam contra suspensão de processos sobre pejotização

A suspensão nacional de todos os processos que discutem a validade de contratos via pessoa jurídica (pejotização), determinada pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), acendeu o alerta entre juízes do Trabalho, que participaram nesta quarta-feira (7) de mobilização em várias capitais em defesa da competência constitucional da Justiça do Trabalho. No Rio de Janeiro, o ato foi realizado em frente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), no centro da cidade.

No dia 14 de abril, o ministro Gilmar Mendes decidiu suspender a tramitação de todos os processos na Justiça brasileira que discutam a legalidade da pejotização, em que empresas contratam prestadores de serviços como pessoa jurídica, evitando criar uma relação de vínculo empregatício formal.  A suspensão, determinada no Tema 1389 de repercussão geral, paralisa processos que discutem o reconhecimento de vínculo empregatício em contratos com pessoa jurídica – prática crescente em setores como tecnologia, saúde e economia, sobretudo em plataformas digitais.

As 24 associações dos Magistrados do Trabalho (Amatras), a Associação Nacional das Magistradas e dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), a Associação Nacional dos Procuradores das Procuradoras do Trabalho (ANPT) e a Associação Brasileira da Advocacia Trabalhista (Abrat) assinaram um manifesto conjunto reforçando a importância da competência da Justiça do Trabalho, que foi reiterado durante a mobilização nacional convocada pelas entidades.

 “Apesar da importância do tema em discussão no STF, a ausência de prazo para o julgamento de mérito amplia a insegurança institucional e compromete o andamento de processos sensíveis no âmbito da Justiça do Trabalho, incluindo ações sobre trabalho análogo ao escravo”, afirmou a juíza Daniela Muller, presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 1ª Região (Amatra1).

Rio de Janeiro

No ato realizado na capital fluminense, o juiz titular da 5ª Vara do Trabalho da capital fluminense, Ronaldo Callado, secretário-geral da Anamatra, alertou para os riscos da decisão do ministro Gilmar Mendes. Para ele, a suspensão em todo o país dos processos sobre pejotização pode levar ao esvaziamento da Justiça do Trabalho.

Segundo Callado, a Justiça do Trabalho desde sempre é a Justiça responsável por eventualmente analisar uma fraude numa suposta relação civil ou comercial. Ele destacou que é a Justiça do Trabalho que desmascara a fraude para dizer se há um vínculo de emprego.

“Essa decisão do ministro Gilmar Mendes simplesmente manda suspender todos esses processos em qualquer fase. São milhares de processos. Caso essa decisão seja confirmada, se ele disser que os juízes do Trabalho não têm competência nesses casos, todos esses processos vão para a Justiça comum, que vai ter que apreciar tudo isso”, disse.

“A Justiça do Trabalho é a mais célere porque o que está em jogo são verbas alimentares. A Justiça Comum vai dar conta disso? É uma questão constitucional que não poderia ser dirimida pelo STF sem passar pelo Congresso Nacional. Até pode haver uma mudança na competência na Justiça do Trabalho, mas tem que seguir todo um processo legislativo”, completou o magistrado.


Entidades fazem ato em defesa da competência da Justiça do Trabalho, no Tribunal Regional do Trabalho, no centro do Rio de Janeiro – Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Para o secretário-geral da Anamatra, o problema é que a decisão do ministro Gilmar Mendes é muito ampla e não está só ligada à pejotização.

“O ministro fez questão de esclarecer que ela abrange qualquer tipo de relação. Inclusive de entregadores, de motoboys, que são pessoas simples, são os nossos reclamantes frequentes na Justiça do Trabalho. Isso, a nosso ver, vai fazer, se aprovada e a competência for para a Justiça comum, com que todo mundo vá agora contratar sob um falso regime que não seja o de emprego porque, para decidir essa controvérsia, não será mais na Justiça do Trabalho, vai ser na Justiça comum, que demora muito mais, que não tem esse olhar social que nós temos. Vai haver um esvaziamento total da Justiça do Trabalho. Quem vai querer contratar empregado? Ninguém mais vai querer contratar”, reforçou.

Na avaliação dele, um dos efeitos da decisão pode ser a queda da arrecadação do governo. “Vão fazer MEIs, parcerias. Tudo aparentemente lícito, mas que na prática é um vínculo de emprego. O governo vai perder muito em arrecadação porque não vai ter mais recolhimento de INSS, de várias verbas em que incidem impostos. Isso é um problema que tanto os poderes Legislativo e Executivo deviriam estar mais inseridos nessa discussão”, completou Callado.

A diretora da Associação dos Juízes do Trabalho (Ajutra) e titular da 9ª Vara do Trabalho da capital fluminense, Taciela Cordeiro Cylleno, disse que os juízes do Trabalho têm verificado que recentes decisões do STF não reconhecem ou questionam a competência dessa Justiça especializada para processar e julgar processos que envolvam relações trabalhistas.

“A Justiça do Trabalho recebeu a missão constitucional da pacificação social dos conflitos trabalhistas, não só os conflitos relacionados às relações de emprego previstas na CLT, mas a toda e qualquer relação de trabalho. É extremamente importante que essa competência seja mantida na Justiça do Trabalho, principalmente neste momento que vivemos de revolução tecnológica onde novas formas de trabalho estão surgindo”, destacou a juíza.

Segundo a diretora da Ajutra, há um receio institucional dos juízes do Trabalho, dos procuradores do Trabalho e dos sindicatos de que a decisão do ministro Gilmar Mendes propicie que as relações, quando criadas pelas pessoas jurídicas, sejam tratadas como relações civis e não relações de trabalho. Neste caso, seriam relações entre duas empresas, e a competência para processar e julgar não seria da Justiça do Trabalho e sim da Justiça comum.

“No nosso sentir, a Justiça comum não estaria amparada tecnicamente, academicamente e com o dia a dia do nosso cotidiano de lidar com as relações que envolvem o trabalho humano. Essa decisão da pejotização é simbólica. Essas lides por si só não representariam um esvaziamento completo da competência da Justiça do Trabalho, mas ela tem um caráter a meu ver bastante simbólico em relação a todas as outras lides que envolvem o trabalho humano. O receio institucional é que isso leve a outras decisões semelhantes e que acabem por gerar de fato o esvaziamento da competência da Justiça do Trabalho”, afirmou a magistrada.

O diretor de Prerrogativas da Amatra1 e juiz do trabalho substituto do TRT da 1ª Região, Rafael Pazos Dias, disse que o ato teve como objetivo fortalecer a competência da Justiça do Trabalho em razão de decisões do STF que vêm restringindo a atuação do órgão ao cassar decisões da Justiça do Trabalho que têm reconhecido vínculos de emprego quando constatadas as fraudes nessas relações.

“A decisão do ministro Gilmar Mendes não vem isolada. Já é uma tendência nas últimas decisões do STF uma restrição da nossa competência e uma liberalização das outras formas de contratação em detrimento da relação de emprego”, afirmou Dias.

O ministro Gilmar Mendes foi procurado para se pronunciar sobre o ato das associações trabalhistas por meio de sua assessoria, mas não quis comentar.

Brasília

Na capital federal, a Associação Nacional das Magistradas e dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), a Associação Nacional dos Procuradores das Procuradoras do Trabalho (ANPT) e a Associação Brasileira da Advocacia Trabalhista (Abrat) – associações representativas, respectivamente, da magistratura do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho e da advocacia trabalhista em âmbito nacional – realizaram a mobilização no Foro Trabalhista.

O ato teve o apoio da Associação dos Magistrados do Trabalho da 10ª Região (Amatra 10/DF e TO), da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF) e da Associação de Advogados Trabalhistas do Distrito Federal (AATDF).

Fonte: EBC

Um tribunal com passado, presente e futuro

Pouco mais de um ano transcorreu desde que assumimos a Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo. Nesse período, obtivemos avanços significativos nas esferas institucional, administrativa e judicial, mercê do valioso trabalho dos servidores e magistrados da Justiça paulista, que desempenham sua tarefa com visível comprometimento, à altura do que deles espera o povo deste Estado e em harmonia com os 151 anos de história da corte.

Como planejado, estabelecemos um relacionamento produtivo com o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça e o Conselho Nacional de Justiça, mantendo diálogo constante, realizando visitas e participando de audiências importantes.

Do mesmo modo, mantivemos o bom relacionamento com a Assembleia Legislativa, o que resultou na aprovação de três relevantes projetos de lei, culminando na previsão de cargos de juiz substituto em segundo grau, técnico em TI, assistente social e psicólogo.

Com o Executivo estadual, a relação harmônica, preservada a necessária independência entre os Poderes, permitiu a formulação de orçamento para 2025 apto a assegurar investimentos para uma prestação jurisdicional célere e de qualidade.

Criamos setores de governança para apoiar a Secretaria Judiciária e os gabinetes e preenchemos 20 cargos de juiz substituto em segundo grau, seguindo-se a implantação do inédito Núcleo de Justiça 4.0 em Segundo Grau, cujas turmas receberam para julgamento, a partir de julho de 2024, cerca de 45 mil recursos, dos quais 33 mil já tinham sido julgados até dezembro de 2024.

Conduzimos também a nova contratação com o Banco do Brasil S.A. para a gestão dos depósitos judiciais, com acréscimo de receitas e melhorias, como o QR Code Pix para guias de depósitos.

Tivemos a honra de visitar todas as dez Regiões Administrativas Judiciárias, prestando contas da nossa administração e ouvindo magistrados, cujo interesse, participação e apoio foram essenciais para as conquistas de todos.

Divulgação/ TJ-SPPágina 12 - Anuário da Justiça São Paulo 2025

“Promovemos a extinção de quase 5 milhões de execuções fiscais, substituindo-as por métodos mais eficientes de cobrança”, diz Fernando Antonio Torres Garcia, presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP)

Otimizamos espaços físicos, devolvendo 55 imóveis e instalando 19 novas Unidades de Processamento Judicial (UPJs), do que resultou significativa economia para o Tribunal (R$ 8,5 milhões ao ano). Instalamos varas em locais cuja movimentação processual exigia o incremento da estrutura judiciária. Modernizamos o Judiciário com o emprego de robôs e inteligência artificial, a criação de painéis de BI e a crescente automatização de processos. Com a cooperação da Corregedoria Geral da Justiça, demos início ao funcionamento do Núcleo 4.0 de Grandes Litigantes – Pessoas Físicas, para combater as chamadas demandas predatórias. Além disso, em linha com a transformação digital pela qual passa nosso Tribunal, implementamos e expandimos Núcleos de Justiça 4.0 em diversas áreas (Detran, execuções fiscais estaduais e municipais, acidentes do trabalho, grandes litigantes e ações coletivas, dentre outros em fase de estudo e implantação), disponibilizando serviços mais ágeis, especializados e acessíveis aos jurisdicionados.

Decidimos pela migração para o eproc, um sistema moderno e gratuito, que trará renovada eficiência aos processos judiciais. Também promovemos a extinção de quase cinco milhões de execuções fiscais, substituindo-as por métodos mais eficientes de cobrança e recuperação de créditos.

Dedicamos especial atenção à execução responsável do orçamento de 2024. Nessa esteira, contemplamos direitos de magistrados e servidores, investimos em informática, aplicamos esforços na qualificação dos quadros e realizamos efetivas melhorias nas instalações físicas da Justiça de São Paulo. Ademais, reforçamos o corpo de médicos e enfermeiros, ampliamos o atendimento psiquiátrico online, estendemos os atendimentos médicos e retomamos a contratação de serviço de ambulância, essencial, em virtude do considerável trânsito de pessoas pelos prédios do Judiciário paulista.

Em 2025, continuaremos a trabalhar com dedicação e entusiasmo para fortalecer o Poder Judiciário de São Paulo, buscando uma gestão cada vez mais transparente e eficaz.

Sabemos que o Tribunal de Justiça de São Paulo deve estar preparado para enfrentar desafios significativos, especialmente no que diz respeito à continuidade da modernização tecnológica e da expansão do sistema eproc. A migração completa dos processos judiciais para o novo sistema vem exigindo um planejamento meticuloso e a capacitação contínua dos servidores.

Além disso, não se olvida de que a implementação de novas ferramentas de inteligência artificial e a automação de processos judiciais e administrativos são essenciais para aumentar a eficiência e a produtividade, mas, por outro lado, demandam investimentos em infraestrutura e treinamento, o que merecerá especial atenção por parte da administração.

Outro foco de atenção para o ano que se inicia é a manutenção da transparência e da eficiência na gestão dos recursos públicos. O TJSP continuará racionalizando a ocupação dos seus espaços físicos e reduzindo custos operacionais, ao mesmo tempo em que assegurará a qualidade dos serviços prestados à população. A expansão dos Núcleos de Justiça 4.0 e das UPJs (Unidades de Processamento Judicial), em primeiro e segundo graus, e a melhoria no atendimento ao público, agregando iniciativas de acessibilidade e inclusão, também são vistas como fundamentais para garantir uma Justiça mais ágil e acessível.

Demais disso, a gestão de pessoas, com foco na valorização e no bem-estar dos servidores, é vista como vital para enfrentar as demandas crescentes e manter um ambiente de trabalho saudável e produtivo.

A despeito dos enormes desafios que se apresentam, estamos certos de que, com determinação, inovação e muito trabalho, o Tribunal de Justiça de São Paulo está preparado para transformar adversidades em oportunidades, reafirmando seu compromisso inabalável com uma Justiça cada vez mais eficiente, acessível e moderna para todos e com a construção ininterrupta de um tribunal feito por pessoas e para pessoas.

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Boas práticas e diretrizes internacionais para o processo legislativo democrático

Há uma crescente atenção de diversas organizações internacionais para a necessidade de democratizar o processo legislativo. Como destaca Tímea Drinóczi, para além da expansão da realização de análises de impacto legislativo ex ante em diversos países, organizações internacionais passaram a se dedicar à disseminação de boas práticas e diretrizes (guidelines) democráticas para o processo legislativo como estabelecimento de padrões de legística, fortalecimento da participação social e aumento da transparência das atividades parlamentares [1].

O presente artigo apresenta em visão panorâmica iniciativas recentes de algumas organizações internacionais que têm apontado boas práticas e diretrizes para o processo legislativo democrático, fazendo-se, quando possível, vinculações com o cenário brasileiro. Apresentam-se, em breves linhas, essas iniciativas com algumas conclusões gerais ao final.

Uma das organizações mais tradicionais é a União Interparlamentar – Inter-Paliamentary Union (IPU). Fundada em 1889, é sediada em Genebra e congrega mais de 180 Parlamentos nacionais, inclusive o Brasil. Sua atuação é destinada a promover a cooperação entre os Parlamentos para fortalecimento de suas capacidades institucionais e suas democracias. Alguns de seus temas de maior atenção são a resiliência democrática e os parlamentos, participação feminina na política, transformação digital e combate à crise climática.

Entre suas iniciativas, destacam-se os World e-Parliament Reports, sendo o mais recente de 2024, em que são apontadas as principais tendências de transição digital dos Parlamentos [2]. Como o Report demonstra, há uma tendência acentuada no período pós-Covid 19 de que as inovações digitais sejam permanentemente incorporadas às práticas parlamentares, gerando desafios de transparência, segurança e inclusão digital e oportunidades de aumento da participação social e resiliência democrática em contextos de crise. Há também o robusto “Indicadores para os Parlamentos Democráticos”, lançado em 202 [3], em que há 25 indicadores do caráter democrático dos parlamentos, já com estudos de casos em que países os utilizaram para avaliar suas instituições e práticas.

Outra instituição que tem se destacado é a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), na qual é o Brasil é um país associado com possível ingresso pleno futuro. Na OCDE, há dois principais órgãos que trabalham o tema das boas práticas e diretrizes em processo legislativo e democracia.

O primeiro deles é o Comitê de Política Regulatória, cuja missão é fortalecer a produção de normas jurídicas – legislativas e administrativas – com base em evidências empíricas de forma estratégica e inovadora. Em 2012, foi adotada a importante Recomendação para a Política Regulatória e Governança [4], que sugeriu a seus membros a adoção de uma política regulatória ampla (whole-of-government) fundada em princípios de transparência e participação social, bem como a adoção de boas práticas como a análise de impacto ex ante e avaliação constante de estoque regulatório. O Comitê também faz regularmente a avaliação de políticas regulatórias de determinados países (Regulatory Police Outlook [5]). O Brasil é um dos países regularmente avaliados, sendo que o Relatório de 2022 (Regulatory Reform in Brazil [6]) ressalta, dentre outras sugestões, a necessidade de criação de uma política nacional de melhoria da qualidade regulatória, inclusive envolvendo o Poder Legislativo. No plano do Poder Executivo federal, a retomada do Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação (PRO-REG – Decreto 11.738/2023) e os Decretos 10.411/2020 e 11.243/2022 dialogam diretamente com essas recomendações.

Destaque e conclusões

Ainda no âmbito da OCDE, em 2022 foi criada a “Iniciativa Reforçando a Democracia” coordenada pelo Comitê de Governança Pública, tendo cinco pilares-chave: 1) combate à desinformação, 2) ampliação da participação social, 3) representação política, transparência na vida pública e igualdade de gênero, 4) práticas de sustentabilidade e 5) democracia digital. Um relatório de 2024 sobre a implementação desses pilares por diversos países retrata, entre outros, a necessidade de repensar respostas estatais lentas em face da desinformação digital e formas inovadoras e criativas de ampliar a participação social nas atividades do poder público no geral e dos parlamentos, em específico [7].

Outra instituição que tem ganhado destaque na atuação internacional a respeito da democratização do processo legislativo é o Escritório para Instituições Democráticas e Direitos Humanos – Office for Democratic Institutions and Human Rights (ODIHR) –, da Organização para Segurança e Cooperação na Europa). Atualmente com 57 países membros da Europa, Ásia Central e América do Norte, a Organização tem uma atuação destacada na cooperação com países de transição democrática mais recente na avaliação e produção de sugestões para o fortalecimento de eleições transparente e justas e do caráter democrático das normas jurídicas que regem o processo legislativo.

Uma publicação recente que se destaca é o Guidelines on Democratic Lawmaking for Better Laws [8], em que são apresentados 17 princípios para o legislar democrático, entre eles os pré-requisitos do processo legislativo: respeito aos princípios democráticos, aderência ao Estado de Direito e respeito aos direitos humanos. Como já destacado em outra oportunidade [9], trata-se de um documento pioneiro focado especialmente na produção legislativo do direito, do seu potencial democrático, boas práticas parlamentares e desafios contemporâneos. Embora produzido por uma organização com atuação mais regionalizada, podem servir de inspiração para outros países, inclusive o Brasil, uma vez que apresentam rica experiência prática de problemas e soluções enfrentadas por parlamentos.

No âmbito das Américas, há o Parlamericas, entidade instalada em 2001, no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), como fórum de compartilhamento de experiências e cooperação entre os parlamentos americanos. Atualmente 35 parlamentos nacionais participam do Parlamericas, inclusive o Brasil. Entre suas publicações, se destacam o Mapa para Abertura Legisaltiva 2.0, de 2021 [10], em que há a descrição de diretrizes e iniciativas para o fortalecimento transparência, accountability, participação social e ética na condução das atividades parlamentares.

Diante desse cenário de multiplicidade de documentos, apontam-se quatro conclusões.

É no mínimo curioso perceber que o debate sobre os princípios – aqui não em sentido jurídico, mas de diretrizes políticas – do processo legislativo seja objeto de maior atenção internacional relativamente a pouco tempo. Desde as revoluções liberais do século 17 e 18, entende-se que os parlamentos são órgãos centrais dos governos representativos e, mais recentemente, das democracias representativas, com suas regras e formalidades.

Contudo, é nas últimas décadas, com as transições democráticas especialmente em países da América Latina, leste Europeu, África e Ásia e as constantes crises da democracia representativa, que se aprofundam as demandas por maior qualidade e democraticidade dos trabalhos parlamentares. Como Elsa Pilichowski, diretora de Governança Pública da OCDE e responsável pelo programa Reforçando a Democracia, destaca: “(..) não é que nossas democracias não estão funcionando como elas costumavam funcionar – são as expectativas dos cidadãos que mudaram” [11]. Há, portanto, novas demandas de transformação democrática do processo legislativo e não apenas um retorno a um idealizado modelo de deliberação do passado.

Em segundo lugar, é possível notar alguns pontos largamente comuns nos diversos documentos e diretrizes sobre o legislar democrático. Diretrizes como respeito à democracia e aos direitos humanos, aumento da participação social e de minorias políticas, legislação com base em evidências e análise de impacto legislativo, igualdade de gênero na política e aumento do uso de ferramentas digitais nas atividades parlamentares, apenas para mencionar alguns, são contemplados nos diversos documentos e apontam para aspectos da transformação dos parlamentos no século 21.

Esses pontos comuns podem oferecer o substrato político para justificar e oferecer alternativas para reformas do arcabouço jurídico a respeito da produção legislativa do direito. Como aponta Edoardo Celeste em relação à grandes declarações de direito do século 18 e, mais recentemente, às diversas declarações de direitos digitais produzidas inclusive por entidades do terceiro setor, há um movimento histórico de que pautas inicialmente políticas do constitucionalismo expressadas em documentos esparsos e não vinculantes sejam incorporadas ao discurso jurídico e, posteriormente, transformadas em direito vigente nos planos nacionais [12]. Essa pode ser justamente a tendência no caso da democratização do processo legislativo a partir dessas diretrizes internacionalmente compartilhadas.

Em terceiro lugar, há uma percepção compartilhada de que a transformação dos parlamentos depende, de um lado, de estável compromisso político dos representantes parlamentares e, de outro, institucionalização por meio de regras e instituições dedicadas a essas atividades. Embora a produção legislativa não seja uma atividade meramente técnica, mas essencialmente política na qual diversas visões de mundo e ideologias são apresentadas para o debate público antes da tomada de decisão, há uma dimensão crescente da incorporação de boas práticas regulatórias para o processo legislativo, que requerem pessoal e instituições com algum grau de independência para produzirem informações para subsídio dos parlamentares. Além disso, a participação social por meio de canais institucionalizados cada vez mais é percebida como um elemento central do processo legislativo e não apenas algo que pode ou não ocorrer a critério exclusivo da maioria parlamentar.

Por fim, e a título de conclusão, abre-se amplo campo para estudos e pesquisas. Para mencionaram-se apenas alguns deles: 1) comparação entre os documentos e perspectivas das organizações internacionais sobre o caráter democrático do processo legislativo, 2) ) análise da colaboração entre essas instituições entre si e os parlamentos nacionais e regionais, 3) estudos de caso para a incorporação dessas diretrizes aos diferentes parlamentos nacionais e regionais, 4) relação dessas diretrizes com o direito positivo vigente de diversos países, com destaque para sua tradução em normas jurídicas constitucionais, legais e regimentais, bem como a prática de sua revisão judicial, e 5) estudos de caso do impacto dessas diretrizes sobre o processo legislativo de leis em concreto para avaliar suas potencialidades e desafios. Como é fácil perceber, trata-se de empreitada que mobiliza diversas áreas do conhecimento entre elas a teoria política, ciência política, política comparada, direito constitucional, direito parlamentar e direito regulatório. Fica, portanto, o convite.


[1] Tímea Drinóczi, “Quality Control and Management in Legislation: a Theoretical Framework”, KLRI Journal of Law and Legislation 7 (2017), p. 73.

[2] https://www.ipu.org/resources/publications/reports/2024-10/world-e-parliament-report-2024

[3] https://www.parliamentaryindicators.org/

[4] https://www.oecd.org/en/publications/2012/11/recommendation-of-the-council-on-regulatory-policy-and-governance_g1g3fce5.html

[5] https://www.oecd.org/en/publications/oecd-regulatory-policy-outlook-2025_56b60e39-en.html#:~:text=Adopt%20regulatory%20reviews%20to%20revise,potential%20for%20risk%2Dbased%20enforcement.

[6] https://www.oecd.org/en/publications/2022/06/regulatory-reform-in-brazil_da75f3f8.html

[7] https://www.oecd.org/en/publications/2024/10/the-oecd-reinforcing-democracy-initiative_458501ab.html

[8] https://www.osce.org/odihr/558321

[9] Victor Marcel Pinheiro, “Review: ODIHR Guidelines on Democratic Lawmaking for Better Laws”, Theory and Practice of Legislation 12 (2024), pp. 344-357.

[10] https://www.parlamericas.org/uploads/documents/Road_map_2.0_ENG.pdf

[11]  Entrevista, “Time to act: Nurturing our democracies for the 21st century”, OECD Podcasts, 2022.

[12] Edoardo Celeste, “Digital Constitutionalism: The Role of Internet Bill of Rights”, London, Routledge, 2023, pp. 116-7.

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Comissão debate importância da audiodescrição para inclusão social de pessoas com deficiência visual

A Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara dos Deputados promove nesta terça-feira (6) audiência pública sobre a importância da audiodescrição na inclusão social de pessoas com deficiência visual.

O debate atende a pedido do deputado Otoni de Paula (MDB-RJ) e será realizado a partir das 10 horas, no plenário 9.

O parlamentar lembra que a audiodescrição é um recurso de acessibilidade que transforma imagens em palavras, permitindo que pessoas com deficiência visual compreendam conteúdos audiovisuais.

“A audiodescrição permite, por meio de recursos tecnológicos e solidariedade, integrar cidadãos que não enxergam em ambientes esportivos, festas culturais, aniversários, cerimônias religiosas, entre outros eventos”, diz.

Otoni de Paula pede mais valorização do trabalho dos audiodescritores e dos auditores de audiodescrição. O deputado defende a criação de uma data nacional (13 de dezembro) para celebrar esses profissionais.

“É preciso divulgar esses serviços que proporcionam uma experiência indescritível, acolhedora e inclusiva às pessoas com deficiência visual”, afirma.

https://www.camara.leg.br/internet/agencia/infograficos-html5/audiodescricao/index.html

Fonte: Câmara dos Deputados

Após 25 anos, a Lei de Responsabilidade Fiscal vive ou é um fantasma?

A Lei Complementar 101, mais conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que fez aniversário de 25 anos no dia 4/5/2025, permanece viva ou é apenas um fantasma que assombra nosso ordenamento jurídico? Antes de responder é necessário traçar um panorama geral sobre o tema.

Uma das mais antigas normas sobre Direito Financeiro ainda vigentes é a Lei 4.320/1964, que foi uma das últimas a serem aprovadas durante o governo do presidente João Goulart, que estabelece as normas gerais dessa disciplina. Trata-se de uma boa norma, que cumpriu muitas funções relevantes em nosso ordenamento jurídico, mas que necessita ser atualizada. Algumas iniciativas vêm sendo adotadas nesse sentido, tendo à frente o economista José Roberto Afonso.

A última década do século passado, os anos 90, foi economicamente muito conturbada no Brasil, com diversos desafios tendo que ser enfrentados ao mesmo tempo. Havia uma espiral inflacionária fazendo com que os agentes econômicos públicos e privados corressem atrás da reposição de suas perdas econômicas, driblando o nominalismo da moeda por meio de múltiplas fórmulas de correção monetária. Existiam diversos índices para os contratos privados e os tributos eram expressos em “moedas indexadas”, como a série de ORTNs, OTNs, BTNs, Ufir e assemelhadas. Existia até uma figura tributária muito peculiar, o “lucro inflacionário”, que felizmente ficou no passado.

Limites

Em meados da década de 90 alguns desses problemas foram enfrentados com extrema coragem e competência econômica pela equipe dos presidentes Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, que formularam o Plano Real, o Proer e diversos outros programas para conter a inflação e reorganizar e economia. É nesse contexto que surgiu há 25 anos a LRF, que trata de diversos aspectos referentes às finanças públicas, sendo que dois se destacam: (1) o controle das despesas com pessoal (despesa obrigatória de caráter continuado) e (2) o controle da dívida pública.

No que se refere às despesas com pessoal, quando surgiu a LRF alguns estados gastavam mais de 100% de sua receita corrente líquida com pagamento de pessoal, ou seja, faziam empréstimos para pagar a folha de salários – o que parece inacreditável nos dias atuais. O artigo 19 passou a determinar que, após certo período de transição, os gastos com pessoal dos estados tivessem um limite 60% de sua receita corrente líquida (artigo 19, II).

Você já deve ter ideia do verdadeiro pandemônio financeiro que existia e do enorme problema político que surgiu para a implantação da LRF. Mas, se o artigo 19 era de difícil efetivação, o artigo 20 causou ainda mais confusão. O artigo 20 da LRF estabelece limites para os gastos com pessoal para cada Poder, em cada unidade federada. Por exemplo, um estado só poderia gastar com o Poder Judiciário estadual até 6% do montante estabelecido no artigo 19 (artigo 20, II, “b”). Esta norma gerou reações políticas diversas. Por um lado, reclamaram fortemente os representantes dos Poderes Legislativo, Judiciário, Tribunais de Contas e Ministério Público, pois estariam limitados aos percentuais estabelecidos no artigo 20, sem a possibilidade de obter aumento de remuneração junto ao Poder Executivo. Por outro lado, os governadores ficaram contentíssimos com a limitação estabelecida, pois criava um parâmetro dentro do qual estariam contidos os pleitos financeiros desses Poderes, reduzindo a pressão que poderia ser feita.

Diversas associações ingressaram com ADIs que foram reunidas na ADI 2.237, e julgada após 20 anos de tramitação sob diversos relatores. Dentre outras deliberações, validou a constitucionalidade dos artigos 19 e 20 da LRF, tendo sido o relator final o ministro Alexandre de Moraes (aviso aos eventuais interessados: o acórdão possui mais de 500 páginas).

Curiosamente, estas duas regras (artigos 19 e 20, LRF), somadas à que assegura a autonomia financeira do Poder Judiciário (artigo 99, CF), acabaram por permitir a extrapolação do teto remuneratório estabelecido na Constituição – mas isso é prosa para outro texto.

O segundo foco da LRF foi a questão dos limites de endividamento dos entes federados. O artigo 30 reporta-se à Constituição, mencionando a edição de normas sobre limites globais para o montante (1) da dívida consolidada de cada ente federado e (2) da dívida mobiliária federal.

Para regular a dívida consolidada dos estados, do Distrito Federal e dos municípios foi editada pelo Senado Federal a Resolução 40/01 e para regular as operações de crédito interno e externo desses mesmos entes federados, inclusive concessão de garantias, foi aprovada a Resolução 43/01.

O artigo 3º da Resolução 40/21 traz uma norma de um formalismo impressionante, ao estabelecer que qualquer estado pode se endividar até duas vezes sua receita corrente líquida, e qualquer município pode fazê-lo em percentual menor, até 1,2 vezes. Trata-se de um erro, pois regula situações diferentes como formalmente iguais – dá para comparar o município de São Paulo (12 milhões de habitantes) com o estado do Amapá (800 mil habitantes), sendo que o primeiro, por ser município, pode se endividar até 1,2 de sua receita e o segundo, por ser estado, pode se endividar até 2 vezes? A distinção pela forma (municípios x estados) é inadequada à realidade.

É igualmente gritante a ausência nessas normas de qualquer limite à dívida pública consolidada da União, o que ocasionou a recente proposta de resolução do Senado apresentada pelo senador Renan Calheiros limitando em quatro vezes a receita corrente líquida da União, a ser implementada em 15 anos. O intuito é claro: limitar o endividamento da União, hoje considerado um dos pontos que gera o aumento da taxa de juros no Brasil.

Conselho, teto e arcabouço

Outro aspecto não regulamentado até hoje na LRF é o Conselho de Gestão Fiscal, cuja função é a de acompanhamento e avaliação da política e da operacionalidade da gestão fiscal, constituído por representantes de todos os Poderes e esferas de governo, do Ministério Público e de entidades técnicas representativas da sociedade (artigo 67). Existem projetos de lei em trâmite sobre isso, mas que se encontram paralisados em algum lugar do Congresso.

A LRF foi insuficiente para controlar os gastos e a dívida dos governos brasileiros, considerados no tempo e no espaço geográfico, o que levou ao estabelecimento da Emenda Constitucional 95/16, patrocinada pelo governo do presidente Temer, que instituiu o famigerado Teto de Gastos, o qual foi amplamente dinamitado durante o governo do presidente Bolsonaro e revogado no governo do presidente Lula, pela Emenda Constitucional 126/22 (artigo 9º), sendo instituído o Regime Fiscal Sustentável pela Lei Complementar 200/23, conhecido como arcabouço fiscal.

Sugestão

Respondendo à questão acima, se a LRF, ao chegar aos 25 anos de idade, permanece viva ou é apenas um fantasma. Entendo ser uma norma viva e importante, mas insuficiente para fazer frente aos desafios atuais. Foi um marco quando editada, mas não se sustenta sozinha, precisando que incontáveis outras normas, algumas acima mencionadas, que apoiem as finanças públicas nacionais, dando-lhe sustentabilidade (e não singelo equilíbrio).

Uma sugestão simples, que reduziria muita litigância judicial e extrajudicial: fazer com que a dívida interfederativa, isto é, a que existe entre estados, DF e municípios com a União, deixe de ser tratada como uma qualquer dívida bancária. Melhor explicando: a União utiliza a lógica bancária nessas operações e não a lógica da cooperação federativa, pois cobra juros financeiros e não juros legais. Um exemplo fala por si: estudos da Febrafite apontam que “em valores corrigidos para dezembro de 2024 pela inflação oficial brasileira, o estado (de São Paulo) recebeu R$ 255 bilhões, já pagou R$ 455 bilhões e ainda estava devendo R$ 289 bilhões. Esta absurda diferença de R$ 489 bilhões decorre exclusivamente dos juros reais cobrados pela União pelo empréstimo feito com base na Lei federal 9.496/97”. A mentalidade banqueira da União, em detrimento da cooperação federativa, acarreta a impossibilidade de quitação dessas dívidas.

Em algum momento teremos que descolar o que é reposição de perda inflacionária (a antiga correção monetária) do que são juros reais, hoje reunidos na taxa Selic. Dados concretos: a inflação anual de 2024 medida pelo IPCA foi de 4,83% e a taxa Selic no mesmo período foi de 12,25%. Essa diferença de quase 8 pontos percentuais representa juros reais. O Brasil é viciado em juros altos e isso deve ser alterado para diversas indexações que ainda permanecem em nossa economia. Trata-se de um resquício “imexível” do Plano Real.

Enfim, a LRF permanece viva, mas é insuficiente em face da complexidade atual.

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