Formuladora de combustível tem direito a benefício fiscal concedido a refinaria

Um benefício fiscal sobre o momento de recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) concedido a refinarias e centrais petroquímicas deve ser estendido a formuladoras de combustíveis, uma vez que todas elas estão inseridas em um mesmo sistema de industrialização do petróleo. Portanto, configuraria violação da livre concorrência a imposição de cargas tributárias de forma desigual.

Com essa fundamentação, o juiz William Trigilio da Silva, da 2ª Vara da Fazenda e dos Registros Públicos de Palmas, concedeu tutela de urgência para que as filiais de uma formuladora no Tocantins possam usufruir do diferimento fiscal previsto no parágrafo 2º da cláusula 10ª do Convênio ICMS 199/2022, aderido pelo Fisco tocantinense.

Violação da isonomia tributária

A norma prevê que refinarias e centrais petroquímicas podem recolher o ICMS não no desembaraço aduaneiro, mas apenas na operação subsequente, a de venda, nas circunstâncias em que for liquidar imposto sobre importação de óleo diesel A, gás liquefeito de petróleo (GLP) e gás liquefeito derivado de gás natural (GLGN).

A formuladora contemplada pela decisão judicial argumentou que produz o diesel B, a versão que chega aos consumidores finais. Isso é feito pela mistura do biodiesel (B10O) com o diesel A, que costuma vir por importação.

Com isso, também alegou, a cessão do diferimento no ICMS apenas às refinarias e centrais petroquímicas seria uma violação da isonomia tributária, uma vez que as formuladoras de combustíveis exercem operações semelhantes.

Falta de amparo legal

Já o estado de Tocantins argumentou que a concessão do benefício à formuladora carece de amparo legal, o que seria exigido pelo parágrafo 6º do artigo 150 da Constituição Federal. Também sustentou que a Lei Complementar 192/2022 coloca formuladores de combustíveis como contribuintes do ICMS na modalidade monofásica, ocorrendo o fato gerador, no caso de importação, no momento do desembaraço aduaneiro. Ainda disse que o Convênio ICMS 199/2022 é expresso ao permitir o diferimento no pagamento do imposto apenas às refinarias e às centrais petroquímicas.

Diante da inexistência de norma, não pode o Judiciário, portanto, estender benefícios a pretexto de isonomia, sob pena de violação dos poderes e do entendimento do Supremo Tribunal Federal, afirmou o estado de Tocantins.

Violação à livre concorrência

Em sua decisão, o juiz afirmou que o entendimento do STF trata de redução ou isenção fiscal, e não de benefício de diferimento do momento do pagamento, como é o caso concreto.

Ele declarou que a benesse fiscal foi criada pelo legislador para viabilizar a operação dos importadores, que fazem compras em grandes remessas e poderiam não sustentar isso se tivessem de pagar o ICMS adiantado.

Deste modo, disse o juiz, a limitação do diferimento configura violação à livre concorrência e fere o inciso II do artigo 150 do texto constitucional, que veda “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente”, como é o caso, segundo ele, das formuladoras, refinarias e centrais petroquímicas.

Isso sustentaria a probabilidade de direito, um dos dois requisitos para conceder a tutela de urgência. Já o outro, o perigo do dano, estaria expresso no fato de a não concessão do benefício fiscal poder causar grande impacto no capital de giro da formuladora de combustíveis, tendo em vista que ela importa diesel em grande quantidade.

O juiz pontuou também que, não se tratando de isenção ou redução de alíquota, mas de diferimento do momento de pagamento do ICMS, não vislumbra prejuízo ao Estado nem perigo de irreversibilidade da medida.

Clique aqui para ler a decisão
Processo 0024236-13.2024.8.27.2729/TO

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Proteção legal do meio ambiente do trabalho na CLT

Recepcionada pela Constituição, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no Capítulo V, trata da segurança e medicina do trabalho, trazendo importantes disposições que, se efetivamente cumpridas, contribuirão na prevenção dos riscos ambientais laborais, evitando acidentes e doenças e, com isso, protegendo a saúde dos trabalhadores.

Citarei alguns dos mais importantes artigos incluídos na CLT pela Lei nº 6.514/1977, que alterou substancialmente o Capítulo V da CLT, num momento em que o Brasil figurava no primeiro lugar no ranking mundial de acidentes de trabalho.

Hoje, de acordo com levantamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Brasil ocupa o quarto lugar no ranking mundial de mortes por acidentes de trabalho.

Dispositivos

Por oportuno, dentre tais dispositivos legais incluídos na CLT destaco, pela sua importância, o artigo 156 (artigo 156 – Compete especialmente às Delegacias Regionais do Trabalho, nos limites de sua jurisdição: I – promover a fiscalização do cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho; II – adotar as medidas que se tornem exigíveis, em virtude das disposições deste Capítulo, determinando as obras e reparos que, em qualquer local de trabalho, se façam necessárias; III – impor as penalidades cabíveis por descumprimento das normas constantes deste Capítulo, nos termos do artigo 201”), que trata da competência do Estado, por meio das Delegacias Regionais do Trabalho e de outros órgãos de fiscalização sobre a orientação, fiscalização, adoção de medidas de proteção ao meio ambiente do trabalho e aplicação das penalidades cabíveis no caso de descumprimento das normas atinentes, incluindo a interdição e o embargo.

Já o artigo 157 (artigo 157 – “Cabe às empresas: I – cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho; II – instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais; III – adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente; IV – facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente”), por seu turno, determina aos tomadores de serviços a obrigação de cumprirem e fazerem cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, adotando medidas coletivas e individuais de prevenção e proteção necessárias, orientando e instruindo os trabalhadores sobre a implementação dessas medidas e informando-os a respeito dos riscos decorrentes das atividades desenvolvidas.

Também importante é o artigo 158 (artigo 158 – “Cabe aos empregados: I – observar as normas de segurança e medicina do trabalho, inclusive as instruções de que trata o item II do artigo anterior; Il – colaborar com a empresa na aplicação dos dispositivos deste Capítulo. Parágrafo único – Constitui ato faltoso do empregado a recusa injustificada: a) à observância das instruções expedidas pelo empregador na forma do item II do artigo anterior; b) ao uso dos equipamentos de proteção individual fornecidos pela empresa”), que obriga os empregados a cumprirem as normas ambientais laborais, seguindo as orientações do empregador, sob pena de incorrerem em ato faltoso, punível proporcionalmente à sua gravidade.

O artigo 160 estabelece a obrigatoriedade da inspeção prévia nos estabelecimentos, antes do seu funcionamento, como a mais importante forma de prevenção dos agravos à saúde do trabalhador, embora, na prática seja pouco cumprido (artigo 160 – “Nenhum estabelecimento poderá iniciar suas atividades sem prévia inspeção e aprovação das respectivas instalações pela autoridade regional competente em matéria de segurança e medicina do trabalho.§ 1º – Nova inspeção deverá ser feita quando ocorrer modificação substancial nas instalações, inclusive equipamentos, que a empresa fica obrigada a comunicar, prontamente, à Delegacia Regional do Trabalho. § 2º – É facultado às empresas solicitar prévia aprovação, pela Delegacia Regional do Trabalho, dos projetos de construção e respectivas instalações”).

O artigo 161 (artigo 161 – “O Delegado Regional do Trabalho, à vista do laudo técnico do serviço competente que demonstre grave e iminente risco para o trabalhador, poderá interditar estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento, ou embargar obra, indicando na decisão, tomada com a brevidade que a ocorrência exigir, as providências que deverão ser adotadas para prevenção de infortúnios de trabalho”) assegura ao Delegado Regional do Trabalho, hoje Superintendente Regional do Trabalho, ante a existência de risco grave e iminente para o trabalhador, interditar estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento ou embargar obra, o que representa um dos mais efetivos e ágeis instrumentos de prevenção do meio ambiente e de eliminação de risco de vida para os trabalhadores. Esse dispositivo legal, que nos seus primórdios teve pouquíssima aplicação, vem sendo utilizado com certa frequência pelos órgãos do Ministério do Trabalho e Emprego como forma de preservação da saúde do trabalhador.

O artigo 184 (artigo 184 – “As máquinas e os equipamentos deverão ser dotados de dispositivos de partida e  parada e outros que se fizerem necessários para a prevenção de acidentes do trabalho, especialmente quanto ao risco de acionamento acidental. Parágrafo único – É proibida a fabricação, a importação, a venda, a locação e o uso de máquinas e equipamentos que não atendam ao disposto neste artigo”) dispõe sobre a necessidade de as máquinas e equipamentos que ofereçam perigo para os trabalhadores conterem dispositivos de proteção, impondo a responsabilidade solidária pelo cumprimento dessa obrigação ao fabricante, ao importador, ao vendedor, ao locador e ao usuário.

Cabe registrar que as alterações incluídas na CLT pela Lei nº 6.514/1977, que alterou seu Capítulo V, endurecendo as normas sobre segurança e saúde no trabalho, juntamente com algumas políticas de prevenção foram responsáveis pela diminuição do índice de acidentes de trabalho no Brasil, que, de qualquer forma, ainda registra indicies preocupantes, com grandes prejuízos financeiros, sociais e humanos. Por isso, sempre é necessário reiterar que o melhor remédio para evitar acidentes de trabalho é a prevenção dos riscos ambientais laborais.

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Corretagem de seguros e comissão contingente

Os corretores de seguros desempenham um papel fundamental na intermediação de seguros entre as seguradoras e os clientes. A remuneração desses profissionais pode variar de acordo com diferentes modelos — que, por sua vez, são influenciados pelo mercado, pelo tipo de seguro, e pelas práticas específicas de cada seguradora.

Spacca

Tradicionalmente, os corretores são remunerados por meio de comissões, que correspondem a uma percentual do prêmio pago pelo segurado. Esse percentual pode variar consoante o tipo de seguro e as nuances da contratação entre as partes.

Além das comissões regulares, os corretores de seguros eventualmente podem receber uma remuneração adicional por atingirem objetivos específicos de vendas ou de retenção de clientes, definidos pelas seguradoras.

A chamada “comissão contingente” é uma forma de remuneração extra baseada no cumprimento de objetivos que vão além da venda de apólices. Esses objetivos geralmente incluem: i) aumentar o volume total de vendas de seguros dentro de um período específico, frequentemente estipulado por ano; ii) manter um certo nível de retenção de clientes ou renovações de apólices, demonstrando que a corretora não apenas atrai novos clientes; e, em alguns casos, iii) a rentabilidade das apólices vendidas, com seguradoras avaliando se as apólices geram lucro, considerando a relação entre prêmios recebidos e sinistros pagos. Adicionalmente, indicadores de satisfação do cliente e a qualidade no serviço prestado também podem influenciar o pagamento de comissões contingentes.

Embora esteja sendo mais aplicada nos últimos anos, especialmente em grandes operações de seguros massificados, pairam algumas dúvidas sobre a legalidade da prática da comissão contingente (por vezes mencionada como “remuneração adicional”) no Brasil. O presente artigo tem como escopo analisar os principais contornos desse importante tema.

Remuneração do corretor de seguros

Um conjunto de normas legais e infralegais tratam da corretagem de seguros e, ainda que lateralmente, da remuneração do corretor. São elas: o Código Civil; a Lei nº 4.594/1964, que regula a profissão de corretor de seguros; o Decreto Lei nº 73/1966, que dispõe sobre o SNSP (Sistema Nacional de Seguros Privados) e regulamenta as operações de seguros; o Decreto n° 60.459/1967 (que regulamenta o Decreto-Lei nº 73/1966); e o Decreto nº 56.903/1965, que regulamenta especificamente a profissão de corretor de seguros de vida e de capitalização.

Dentre as normas infralegais, pode-se citar a Circular Susep nº 510/2015, que aborda a atividade de corretagem de seguros; a Resolução CNSP nº 382/2020, que versa sobre princípios a serem observados pelos intermediários nas práticas de conduta; e, em caso de inobservância de normas regulatórias, a Resolução CNSP nº 393/2020, que dispõe sobre sanções administrativas.

Sem a pretensão de examinar cada uma das referidas fontes normativas, o Código Civil, em seus artigos 725 e 728, dispõe, de forma geral, acerca da remuneração proveniente de uma relação baseada no contrato de corretagem – independentemente de ser na intermediação de seguros. Esta deve ser paga ao corretor quando i) este conseguir o resultado da contratação, ou, ii) mesmo quando não conseguir, se a contratação não ocorrer porque as partes se arrependeram da contratação.

A Lei nº 4.594/1964, específica para os corretores de seguros, estabelece outros requisitos para o pagamento da comissão de corretagem, quais sejam: i) o corretor estar devidamente habilitado para o exercício da profissão, com cadastro ativo perante a SUSEP; e ii) o corretor ter assinado a proposta, que deve ser encaminhada às seguradoras, na forma dos artigos 13, caput e 14 da referida lei.

O Decreto-Lei nº 73/1966, o Decreto nº 60.459/1967 e o Decreto nº 56.903/1965, que regulam o DL nº 73/1966, repetem esses mesmos requisitos. Entretanto, por conta também de alteração legislativa por meio da Lei nº 14.430, de 2022, o atual artigo 124 do Decreto-Lei nº 73, de 1966, prevê que “as comissões de corretagem somente poderão ser pagas a corretor de seguros devidamente habilitado e deverão ser informadas aos segurados quando solicitadas”.

Retornando ao âmbito da Lei nº 4.594/1964, relativamente recente alteração legislativa, implementada pela Lei nº 14.430/2022, traz interessante ponto para este estudo. Na forma como redigido originalmente, o artigo 1º da Lei nº 4.594/1964 apresentava apenas o caput, em que é disposto:

O corretor de seguros, seja pessoa física ou jurídica, é o intermediário legalmente autorizado a angariar e a promover contratos de seguros, admitidos pela legislação vigente, entre as Sociedades de Seguros e as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado.

Por esta aproximação, relacionada à angariação e promoção de contratos de seguros, o corretor fazia jus à comissão de corretagem, prevista no artigo 13, caput, da Lei nº 4.594/1964. Entretanto, após a entrada em vigor da Lei nº 14.430/2022, em 03/08/2022, outras tantas atribuições foram impostas ao corretor, de modo que, no fim do dia, por todas elas cabe ele ser remunerado. São elas:

“Parágrafo único. São atribuições do corretor de seguros:

I – a identificação do risco e do interesse que se pretende garantir;

II – a recomendação de providências que permitam a obtenção da garantia do seguro;

III – a identificação e a recomendação da modalidade de seguro que melhor atenda às necessidades do segurado e do beneficiário;

IV – a identificação e a recomendação da seguradora;

V – a assistência ao segurado durante a execução e a vigência do contrato, bem como a ele e ao beneficiário por ocasião da regulação e da liquidação do sinistro;

VI – a assistência ao segurado na renovação e na preservação da garantia de seu interesse.”

Legalidade da comissão contingente

Segundo o relatório “A Prática na Atividade dos Intermediários de Seguros no Mercado Americano”, [1] a comissão contingente trata-se de “uma prática estabelecida legalmente na indústria já há muitos anos, não apenas nos Estados Unidos, mas em todo o mundo” e consiste em pagamentos feitos aos corretores, para além da comissão por aproximação das partes do negócio, que estão vinculados a “uma variedade de fatores, tais como, o volume de negócios, de negócio novo gerado, de negócio existente retido, e da experiência de resultado do negócio colocado na seguradora”sendo impossível determinar, com correção, a parcela de uma comissão contingente atribuída a um cliente ou a um risco em particular”.

Após exame detido das normas mencionadas anteriormente, bem como do ordenamento jurídico como um todo, é possível concluir que, atualmente, não existem limitações legais ou regulatórias específicas que proíbam o pagamento de comissão contingente no Brasil.

Em termos de direito a ser constituído, a possibilidade de instituição da comissão contingente ganhou ainda mais força recentemente. Isso porque foi retirada do PL 29/2017, aprovado pelo Senado no dia 18/06/2024, a aparente vedação do pagamento desta comissão, antes disposta no artigo 43, § 1º do PL. [2]

Este texto recebeu emenda do senador Jader Barbalho, relator do projeto de lei no Senado, que removeu o parágrafo único do referido artigo 43, convertido ao artigo 40 no texto da emenda, expressamente mencionando que a mudança visa a manter a possibilidade de “participações contingentes” serem pagas ao corretor. A justificativa do relator foi a seguinte:

“Suprimimos o § 1º do artigo 43. Embora o propósito do dispositivo seja digno de nota — evitar conflito de interesses entre segurados e corretores, que assumem cada vez mais o papel de assessores do segurado —, a vedação absoluta de participações contingentes pode ser danosa para o mercado, prejudicando a corretagem em seguros massificados. Melhor é, na linha do que se pratica no mercado europeu, a punição dos casos excepcionais em que se comprova o conflito de interesses do corretor em função da chamada comissão contingente, em vez da vedação geral.” [3]

De fato, uma proibição genérica seria desaconselhável, especialmente em um país que tem baixa penetração de seguros, inclusive por falta de adequada cultura securitária, e precisa de mais profissionais atuando como corretores de seguros.

Por outro lado, não se pode perder de vista que a forma como essa comissão contingente é implementada na prática deve ser cuidadosamente considerada. Por exemplo, utilizar a rentabilidade da carteira e o número de sinistros como critérios pode ser problemático do ponto de vista do tratamento adequado ao cliente e da mitigação de possíveis conflitos de interesse, nos termos da Resolução CNSP n° 382/2020 (que dispõe sobre princípios a serem observados nas práticas de conduta adotadas pelas seguradoras e intermediários). [4]

Critérios para implementação apropriada

Para garantir uma implementação adequada da comissão contingente, as corretoras de seguros e seguradoras devem ao menos assegurar que: i) a remuneração seja informada aos segurados sempre que solicitada; e ii) os critérios adotados para o pagamento da comissão contingente sejam definidos de maneira a não criar potenciais conflitos de interesse, de modo que as recomendações aos segurados sejam baseadas exclusivamente nas necessidades deles, e não influenciadas pela potencial rentabilidade para o corretor ou para a seguradora.

Medidas recomendadas para mitigação dos riscos

Entre outras medidas, é recomendável que as cláusulas contratuais referentes ao pagamento da comissão contingente no contrato entre a seguradora e a corretora sejam redigidas de forma clara e objetiva, estabelecendo critérios específicos e prazos para o pagamento. Além disso, preocupações sobre transparência e conflitos de interesse podem ser minimizadas se a corretora e/ou seguradora incluir em seu site uma seção que informe, de maneira geral, sobre suas práticas de remuneração, incluindo a “comissão contingente” (ou “remuneração adicional”). [5]

Conclusão

A prática da comissão contingente, como forma adicional de remuneração dos corretores de seguros, tem-se tornado cada vez mais comum, sobretudo nas operações de maior escala nos seguros massificados. No entanto, essa prática, embora permitida, não é isenta de controvérsias e desafios na sua implementação.

A ausência de proibição explícita nas normas vigentes e, até onde vai a vista, de punições em âmbito judicial ou administrativo não elimina a necessidade de cuidados específicos na aplicação desse tipo de comissão.

Portanto, os corretores e seguradoras devem observar os princípios da transparência e evitar potenciais conflitos de interesse na definição dos critérios para o pagamento de comissões contingentes.

Além disso, com a tramitação do Projeto de Lei nº 29/2017 (que retornou à Câmara sob o número 2.597/2024), é importante ao leitor manter-se atualizado sobre quaisquer mudanças legislativas e/ou regulatórias que possam afetar a regulação das comissões contingentes no setor de seguros. A recente alteração que permite a continuação das “participações contingentes” reforça a necessidade de uma abordagem equilibrada que tenha em conta tanto a competitividade do mercado como a proteção dos consumidores.

____________________

[1] Tradução do relatório Background on Insurance Intermediaries, divulgado pelo Insurance Information Institute de Nova York. Disponível em: http://www.siscorp.com.br/intermediarios_usa.asp. Acesso em 02/07/2024.

[2] Veja-se: “Art. 43. Pelo exercício de sua atividade o corretor de seguro fará jus à comissão de corretagem. § 1º O corretor de seguro não pode participar dos resultados obtidos pela seguradora.”

[3] Conforme documento P.S 11/2024 – CCJ, de autoria da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, Senador Jader Barbalho (MDB/PA), Senador Davi Alcolumbre (UNIÃO/AP), de 10/04/2024. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/128831. Acesso em 03/07/2024.

[4] Segundo o art. 4º da Resolução CNSP nº 382/2020: “[a] relação entre o ente supervisionado e o intermediário não deve prejudicar o tratamento adequado do cliente, devendo ficar claro para os clientes qualquer conflito de interesses decorrente desta relação”.

[5] Já existem exemplos no mercado, incluindo pelo menos uma corretora e uma seguradora, que adotaram essa prática no Brasil.

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Em dez anos, produção de relatórios do Coaf a pedido de MP e delegados cresce 1.300%

Em dez anos, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) aumentou em 1.339,4% o número de relatórios de inteligência financeira (RIFs) produzidos por iniciativa das Polícias Civil e Federal e do Ministério Público.

Dados do Coaf mostram que, em 2014, foram produzidos 1.035 RIFs a partir de comunicações feitas por essas instituições. Em 2023, a produção chegou a 13.863, um recorde.

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Relatórios fornecidos pelo Coaf servem para abastecer investigação criminal – Pedro França/STJ

Isso significa que, no ano passado, o Coaf produziu e entregou aos órgãos de persecução penal 38 relatórios por dia. E sem a necessidade de qualquer controle judicial prévio.

boom de interesse de delegados de polícia e membros do Ministério Público ocorre no momento em que o Poder Judiciário ainda discute os limites para o compartilhamento dessas informações.

Em 2019, o Supremo Tribunal Federal julgou constitucional o compartilhamento, de ofício, de informações sigilosas pelos órgãos de inteligência (Coaf) e fiscalização (Receita Federal) para fins penais, sem autorização judicial prévia.

Ao interpretar as teses do STF, o Superior Tribunal de Justiça inicialmente entendeu que, quando a informação é obtida pelo caminho inverso — por iniciativa do órgão de investigação —, é necessário passar pelo crivo do juiz antes.

Essa interpretação foi derrubada pela 1ª Turma do STF neste ano. O relator do caso, ministro Cristiano Zanin, entendeu que, de ofício ou a pedido do investigador, o Coaf pode compartilhar os relatórios sem autorização judicial prévia. A 2ª Turma e o Plenário da corte não se posicionaram ainda.

O STJ, então, fez uma adequação e, recentemente, avançou na discussão ao estabelecer que esse compartilhamento só é válido se já houver inquérito instaurado — antes disso, na fase da análise de notícia de fato pelo MP ou da verificação preliminar pela polícia, não cabe a medida.

ConJur

 Mapa de calor

As informações que o Coaf fornece à investigação criminal indicam apenas uma coisa: que há em sua base de dados movimentações suspeitas praticadas pelas pessoas ou empresas alvos da investigação.

Movimentações suspeitas não são necessariamente ilícitas: são aquelas que fogem dos padrões ou que ultrapassam determinados limites de valor. Elas são informadas ao Coaf por bancos e setores obrigados por lei — em regra, aqueles mais propensos a serem usados para lavagem de dinheiro.

O relatório do Coaf, portanto, não gera prova. Ele apenas indica a delegados de polícia e membros do MP onde investigar. Em palestra recente, o diretor de supervisão do Coaf, Rafael Ximenes, classificou-os como “mapas de calor”.

MPs e polícias podem solicitar dados porque tanto a Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/1998) quanto o Estatuto do Coaf (Decreto 9.663/2019) autorizam o intercâmbio de informações de inteligência financeira. Também têm essa prerrogativa a Controladoria-Geral da União (CGU), órgãos do Poder Judiciário e Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs).

Para permitir esse contato, foi criado o Sistema Eletrônico de Intercâmbio (SEI-C), plataforma digital em que essas instituições registram dados sobre pessoas investigadas, ilícitos e modus operandi por elas utilizados.

Ao receber essas comunicações, o Coaf verifica nos dados que possui — aqueles já informados pelos setores obrigados a isso — se existem informações sobre os investigados. Se a resposta é positiva e há coerência entre a suspeita e as movimentações financeiras, um RIF é produzido e encaminhado.

Segundo o Coaf, os crimes que mais geraram produção de relatórios de inteligência financeira em 2023 foram tráfico de drogas, fraudes, corrupção e organização criminosa.

ConJur

 Encomenda ‘de ofício’

O Coaf rejeita o jargão “RIF por encomenda”. Isso porque o relatório de inteligência financeira é produzido apenas se houver correspondência em sua base de dados e acaba compartilhado “de ofício”.

Fato é que a imensa maioria dos RIFs produzidos pelo órgão segue esse modelo. Em 2023, o Coaf produziu 16.411 relatórios, sendo 14.816 (90,2%) decorrentes de comunicações feitas pelo SEI-C.

A maioria esmagadora desses RIFs partiu de iniciativa de delegados das Polícias Civil e Federal: foram 12.013 no ano passado, ou 73,2% do total produzido pelo Coaf.

A Polícia Civil é a que mais utiliza essa ferramenta. Em 2023, enviou incríveis 11.012 comunicações ao Coaf — 29 vezes mais do que em 2014, quando foram apenas 379. E recebeu 7.055 RIFs.

Já os Ministérios Públicos, incluindo a Procuradoria-Geral da República, motivaram 11% dos relatórios concluídos em 2023. Juntos, polícias e MPs representam 84,4% de todos os RIFs do ano passado — 13.863 ao todo.

O crescimento da produção de relatórios foi possível também porque há um aumento exponencial do número de comunicações feitas ao Coaf pelos setores obrigados. Em 2023, foram mais de 7,6 milhões. Há dez anos, não alcançavam nem 1,2 milhão.

Já o número de relatórios aumentou mais de cinco vezes na última década. Em 2023, foram 16.411, contra 3.178 em 2014.

 

 Fishing expedition

Para os advogados de defesa, o fato de delegados e MPs acessarem informações financeiras sigilosas de seus clientes sem passar pelo crivo do Judiciário é um enorme problema. A experiência mostra que os investigados só sabem que seus dados foram compartilhados quando são formalmente indiciados, denunciados ou se tornam alvos de diligências.

Antes disso, os RIFs passam por análises de setores técnicos e geram outras ações investigatórias. Diluídas e incorporadas, as informações financeiras se tornam parte de uma tese acusatória.

Quando essa tese é apresentada, cabe às defesas comprovar, entre outros tópicos, que as movimentações financeiras registradas pelo Coaf não são produtos do crime.

Para o advogado André Coura, sócio e fundador do escritório Coura e Silvério Neto, na prática há a inversão do ônus da prova. O MP apresenta uma acusação e um emaranhado de operações financeiras, e o réu que comprove que não há crime.

Ele classifica esse rito como “um convite à pesca probatória” (fishing expedition) porque a investigação migra dos fatos criminosos, que o Coaf não tem como comprovar, para a figura dos suspeitos, dos quais o órgão pode ter informações.

Além disso, há a captura da cognição do juiz. Quando a licitude do acesso aos dados do Coaf é avaliada pelo magistrado — que, até a implantação do juiz das garantias, é o mesmo que vai julgar o mérito da causa —, ele já absorveu o conteúdo e seus impactos.

“O relatório de inteligência financeira é uma ferramenta poderosa, que mereceria sindicância judicial prévia porque a investigação trabalha essas informações como melhor lhe aprouver, sem nenhum contraditório. Isso vai para o processo, instrui a denúncia e, só mais para frente, haverá controle judicial, mas para tratar do compartilhamento, não do mérito”, disse Coura.

O advogado define o Coaf como “uma verdadeira caixa preta bancária e financeira” à disposição da acusação. “É como dar a chave de acesso de um cofre com informações valiosas para o investigador.”

O caminho do dinheiro

Para a persecução penal, o relatório do Coaf é realmente um enorme aliado, especialmente em um mundo globalizado, com organizações criminosas estruturadas e com o amplo uso da tecnologia para disfarçar suas operações.

Por isso, os RIFs são apenas um ponto de partida. Eles são usados para decidir se vale a pena investigar, se há realmente indícios. E apontam o caminho do dinheiro, um dos critérios mais valiosos para a investigação.

Membro da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Márcio Gomes explica que seria um atraso o Coaf se limitar a dizer que existe movimentação atípica de determinada pessoa ou empresa.

“Não é que a polícia vá determinar que se faça algum tipo de relatório de inteligência financeira. O que há é saber se existe movimentação atípica referente a determinada situação. Não se escolhe ao léu algum CPF ou CNPJ para mandar o Coaf fazer uma busca minuciosa. Não é uma prospecção.”

Para o delegado da PF, o tema dos RIFs é pouco compreendido e precisa ser alvo de uma definição jurídica por parte dos tribunais. Ele nada mais é do que uma notícia de movimentação atípica, sem qualquer análise de mérito.

Por meio dessas movimentações, a investigação encontra caminhos para exercer uma das principais estratégias de desarticulação do crime organizado: a asfixia financeira.

“É preciso identificar para onde o dinheiro está vertendo, para que seja possível sequestrar bens e tornar essa atividade pouco interessante. Na medida em que você impede que a organização criminosa consiga seu fim último, que é o lucro pela compra de bens, negócios ou o que seja, você torna o crime uma atividade pouco atrativa.”

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Sobre a oferta gratuita de água potável em estabelecimentos comerciais

A oferta gratuita de água potável em estabelecimentos comerciais tem sido objeto de intensos debates no cenário jurídico brasileiro, especialmente após a promulgação da Lei nº 17.747, de 12 de setembro de 2023, no estado de São Paulo. Referida norma teve sua eficácia suspensa em virtude de liminar concedida nos autos da ADI 2244219-80.2023.8.26.0000 no dia subsequente à sua entrada em vigor, sob o argumento de violação à livre iniciativa.

Na análise dos autos, a Procuradoria Geral do Estado, o Procurador Geral de Justiça, o governador do Estado e o presidente da Assembleia Legislativa defenderam, de forma uníssona, a constitucionalidade da norma. Segundo a PGE, a legislação está alinhada com a proteção do consumidor e da saúde pública, matérias sob competência legislativa concorrente do Estado, conforme os incisos VIII e XII do artigo 24 da Constituição Federal. O governador do estado endossou essa posição.

O procurador-geral de Justiça argumentou que a norma protege efetivamente a saúde pública, o consumidor e o meio ambiente, afetando minimamente a atividade econômica dos empresários. Defendeu que as restrições à livre iniciativa são adequadas, necessárias e proporcionais aos objetivos da lei.

O presidente da Alesp, por seu turno, destacou que os custos adicionais para a iniciativa privada são insignificantes quando comparados aos benefícios sociais da medida, especialmente no que tange à saúde pública, ao direito do consumidor e à proteção ambiental. Ressaltou, ainda, que a livre iniciativa, prevista no artigo 170 da Constituição [1], não é absoluta e deve ser interpretada em conjunto com outros princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana, o direito à saúde, a proteção do consumidor e do meio ambiente. Além disso, mencionou os seguintes precedentes do Supremo Tribunal Federal que reconheceram intervenções estatais na ordem econômica como constitucionalmente legítimas:

  • Fixação de horário de funcionamento para estabelecimento comercial (STF – 2ª turma, AI n. 781.886 – AgR, reI. Min. Carlos Velloso, j. 15.2.2005);
  • Determinação de cota de veículos adaptados a pessoas com deficiência em locadora (STF, Pleno, ADI n. 5.452, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 22.08.2020);
  • Determinação de meia-entrada em estabelecimentos culturais e esportivos (STF, Pleno, ADI n. 2.163·RJ, reI. Min, Luiz Fux, red, do Ac, Min, Ricardo Lewandowski, j. 12.04.2018);
  • Proibição de pulverização de agrotóxicos (STF, Pleno, ADI n. 6137, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 14.06.2023);
  • Obrigação de estender os benefícios de novas promoções de telefonia aos clientes preexistentes (STF, Pleno, ADI n. 5939, reI. Min. Alexandre de Moraes, j. 06.08.2020);
  • Proibição de extração, industrialização, utilização, comercialização e transporte de asbesto/amianto (STF, Pleno, ADI n. 4066, reI. Min. Rosa Weber, DJe 07.03.2018).

No acórdão datado de 19 de junho de 2024, prevaleceu o entendimento de que a norma apresentava vício material consistente na violação ao princípio da razoabilidade (artigo 111 da Constituição Estadual), da livre iniciativa e do livre exercício da atividade econômica insculpidos nos arts. 1º, IV, e 170, caput e parágrafo único da Constituição Federal. Segundo o entendimento majoritário [2] do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, a determinação acarretaria custos adicionais aos comerciantes, com potencial redução de receita na venda de bebidas em geral. No entendimento da relatora, desembargadora Luciana Bresciani:

“(…) é notório que tal imposição acarreta custos para os estabelecimentos (na aquisição da água propriamente dita, ainda que com custo reduzido; na compra e manutenção de filtros e na disponibilização e reposição de jarras e copos). Ademais, tal obrigação tem potencial de provocar redução na receita da venda não somente de água mineral, como outras bebidas, salientando-se que as bebidas em geral são parte importante da gama de produtos comercializados nos estabelecimentos alcançados pela norma”.

No voto vencido, o desembargador Figueiredo Gonçalves argumentou que a solidariedade social, princípio constitucional expresso no artigo 3º, I, da Carta Maior, permite que pequenos gestos e ações sejam exigidos da atividade privada. Destacou, ainda, que a lei possui uma finalidade adequada, tem interesse público justificável e aborda preocupações ambientais, já que a maioria das embalagens de água mineral servidas em restaurantes e similares são de plástico, prejudicando o meio ambiente. Esse impacto seria ligeiramente reduzido pelo consumo de água filtrada.

Além disso, discordou da alegação de que a lei representaria uma intervenção desproporcional do Estado na atividade comercial, apresentando dados [3] extraídos do Diário Oficial do Estado que demonstram que o custo de fornecer água filtrada é irrisório e não prejudica significativamente os estabelecimentos comerciais. Em sua conclusão, afirmou:

“Finalmente, o fornecimento de água filtrada nos estabelecimentos onde servidas refeições, não é criação de um desmedido gênio tupiniquim com devaneios socialistas. Replica exemplos existentes, há anos, em países capitalistas, onde se presa e se vela pela livre iniciativa e a atividade econômica privada, como os países europeus (França, Inglaterra, Itália, Alemanha etc.) e outros americanos (como os Estados Unidos, México e Argentina). Jamais se percebeu, nessas terras, qualquer sinal de invasão do sistema de livre iniciativa, pelo singelo fornecimento de água filtrada durante refeições, para eventuais clientes que a demandem. Portanto, com a devida licença dos respeitáveis entendimentos diversos, não há ônus desmedido para os agentes da atividade econômica, com qualquer prejuízo significativo aos estabelecimentos-alvos da norma ora examinada.”

A Corte Paulista já havia se manifestado pela inconstitucionalidade de legislação semelhante editada pelo município de São Paulo (Lei nº 17.453/2020, ADI 2201038-97.2021.8.26.0000). Naquela ocasião, porém, apenas os desembargadores Torres de Carvalho e Figueiredo Gonçalves foram vencidos (acórdão datado de 8 de junho de 2022). Com relação a essa ação, ainda pende julgamento pelo STF (RE 1.419.260).

O entendimento firmado pela Corte Paulista, no entanto, diverge dos precedentes estabelecidos no Distrito Federal [4] e no Rio de Janeiro [5], que reconheceram a constitucionalidade de leis semelhantes. Em outros dois tribunais, como Espírito Santo [6] e Minas Gerais [7], normas com o mesmo escopo também foram reputadas inconstitucionais.

Recentemente, o ministro Dias Toffoli entendeu que o princípio da livre iniciativa não é absoluto e deve ser harmonizado com outros valores constitucionais, como a defesa do consumidor, dignidade da pessoa humana, direito à vida e à saúde:

“É certo, nesse caminho, que o princípio da livre iniciativa, como qualquer outro princípio constitucional, não é absoluto. In casu, há de se ponderar tal garantia com a defesa do consumidor, elevada ao status de direito fundamental pela Constituição Pátria, além de erigida a princípio destinado a propiciar o regular funcionamento da ordem econômica, conforme estabelecem, respectivamente, os arts. 5°, XXXII, e 170, V da Carta Magna.

Deveras, o diploma impugnado é resultado de ponderação principiológica, sobretudo entre os dois princípios supramencionados, estando em plena consonância com o já citado art. 170 da Constituição Federal. Efetivamente, o exercício da competência legislativa dos Estados-membros em determinadas matérias pode gerar consequências para as atividades econômico-empresariais sem que isso importe qualquer inconstitucionalidade, desde que proporcional e razoável a restrição, obrigação ou modificação estabelecida pela norma editada, o que se verifica na hipótese.

Em arremate, releva registrar que a determinação do fornecimento de água potável e filtrada pelos estabelecimentos abrangidos pela norma impugnada aos seus clientes atende, além de ao princípio da defesa do consumidor, ao princípio da dignidade da pessoa humana, ao direito à vida e ao direito à saúde.  Cuida-se, afinal, de norma que legitimamente veicula o livre acesso a um bem essencial, vital ao saudável desenvolvimento físico dos seres humanos e umbilicalmente ligado, por conseguinte, à dignidade e à subsistência humanas.” (ARE n. 1.437.523-RJ, decisão monocrática, j. 30.08.2023)

O julgamento da ADI 2244219-80.2023.8.26.0000 pelo TJ-SP não encerra a controvérsia em questão. Argumentos convincentes emergem de ambos os lados: os críticos entendem que a norma intervém na iniciativa privada, impondo encargos financeiros desproporcionais aos empresários. Em contrapartida, os defensores da constitucionalidade sustentam que a obrigação imposta resguarda a saúde pública, o consumidor e o meio ambiente, afetando de maneira ínfima a atividade econômica dos empresários.

Certamente, a Lei Estadual nº 17.747/2023 seguirá caminho semelhante ao da Lei nº 17.453/2020, do município de São Paulo, que foi encaminhada ao Supremo para decisão final. O processo da capital paulista está concluso sob a relatoria do ministro Edson Fachin desde 9 de fevereiro de 2023.

Esta discussão transcende o debate jurídico e, dependendo do entendimento da instância superior, poderá acarretar mudanças comportamentais significativas na sociedade. Caberá à Suprema Corte ponderar os princípios constitucionais envolvidos e oferecer a solução adequada para esta questão, harmonizando os interesses públicos e privados. Aguardemos, portanto, os desdobramentos dessas ações judiciais.

_________________________________________________ 

[1] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego;  IX – tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte.

[2] Foram vencidos os Exmos. Srs. Desembargadores Figueiredo Gonçalves, Beretta da Silveira, Francisco Loureiro, Vico Manas, Silvia Rocha, Carlos Monnerat, Gomes Varjão e Luiz Antonio Cardoso.

[3] Conforme publicação no Diário Oficial do Estado, o custo do fornecimento de 10 metros cúbicos (10.000 litros) de água tratada pela SABESP, para os estabelecimentos comerciais, resulta numa tarifa de R$ 143,96. Um litro de água equivale a 5 copos de 200ml, significando que, por esse custo, podem ser servidos 50.000 copos de água. Se em cada refeição forem fornecidos 2 copos d’água, isso representará serviço para 25.000 refeições. No movimento de um restaurante, servidas 400 refeições diárias, levar-se-ia mais de 2 meses para o consumo dessa água. Certamente, a despesa é irrisória, ante o lucro obtido nessas ocasiões.

[4] TJDF, ADI n° 0023878-89.2017.8.07.0000, Rel. Des. Roberval Casemiro Belinati, j. em 04.12.2018.

[5] TJRJ, ADI n° 0014273-23.2016.8.19.0000, Rel. Des. Caetano Ernesto da Fonseca Costa, j. em 15.05.2017.

[6] TJES, ADI nº 0033070-82.2018.8.08.0000, Rel. Des. Arthur José Neiva de Almeida, j. em 18.07.2019.

[7] TJMG, ADI nº 0909252-14.2013.8.13.0000, Rel. Des. Cássio Salomé, j. 25.06.2014.

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Nulidade de algibeira não tem chance num recente julgado do STJ

O exercício profissional revela que há julgamentos que marcam época e, pela sua relevância, estão vocacionados a potenciar precedentes em prováveis futuras situações análogas.

Chamo a atenção para o formidável desfecho, aliás, aguardado com muita expectativa pela comunidade jurídica paulista do Recurso Especial 2.101.901/SP, então interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça bandeirante, que rechaçara a alegação de nulidade da sentença arbitral, lastreada no defeito de revelação, visto que um dos árbitros deixara de informar certa relação profissional com uma empresa que mantinha negócios com a parte que o indicara para atuar num determinado processo arbitral.

Por maioria de votos, na sessão do dia 18 de junho passado, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça desproveu a mencionada impugnação, com voto condutor da ministra Nancy Andrighi.

O mais interessante nesse julgamento é que os cinco ministros, na motivação dos respectivos votos declarados, não divergiram quanto aos pressupostos legais que devem prevalecer no que se refere ao dever de revelação.

Ocorre que a maioria, formada pela eminente relatora e pelos ministros Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze, além da fundamentação teórica, examinaram a questão sob a perspectiva de seus pontos peculiares.

A rigor, como tenho afirmado, vieses de argumentação jurídica que não se importam com a aplicação das regras do direito em situações concretas tornam o julgamento estéril e puramente dogmático.

Dever de revelação

Considerando o caráter preponderantemente consensual da arbitragem, durante o procedimento de escolha dos árbitros, têm estes o dever de declinar absoluta isenção ao assumir o encargo para atuar de forma independente e imparcial. É esse o momento no qual os árbitros indicados têm também o dever de revelar qualquer relação que não seja de conhecimento público, mínima que seja, com uma das partes. A inobservância do dever de revelação, que realmente tenha relevância, já evidencia inaptidão para o exercício legítimo da função de árbitro.

A rigor, é exatamente o que ocorre na esfera do processo estatal, no qual o juiz deve, de logo, afastar-se de um determinado caso se tiver alguma espécie de relacionamento que possa comprometer a sua imparcialidade e independência.

Com efeito, dispõe o artigo 146 do Código de Processo Civil que o próprio juiz pode reconhecer a sua suspeição, remetendo os autos ao seu substituto legal. Dúvida não há de que o juiz que descumpre esse mister afasta-se da postura de impessoalidade, isto é, do dever de declinar aspecto crucial que caracteriza a pedra angular da imparcialidade.

O artigo 14 da Lei de Arbitragem, nesse particular, faz expressa remissão ao Código de Processo Civil, aplicando aos árbitros os mesmos motivos de impedimento e de suspeição, previstos respectivamente nos artigos 144 e 145.

Nos domínios da arbitragem, destarte, exige-se a imparcialidade e a independência dos árbitros como pressuposto de validade do respectivo processo. Daí, porque o parágrafo 1º do aludido artigo 14 dispõe que: “As pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência”.

Esse conhecido critério da “dúvida justificada”, adotado pelo texto legal pátrio, segundo ensina Gary Born, deve ser analisado de forma objetiva, ou seja, “qualquer objeção em relação à imparcialidade ou independência do juiz deve fundamentar-se em provas suficientes a afastar o árbitro” (International Commercial Arbitration, vol. 1, Kluwer Law International, 2009, pág. 1.477-1.478).

Ações anulatórias

Ocorre que, mais recentemente, embora sem dispormos de estatística atualizada, a experiência revela que tem aumentado à toda evidência o número de ações anulatórias ajuizadas pela parte que sucumbiu (portanto, depois de a sentença ter sido proferida), com fundamento na falha do dever de revelação imposto ao árbitro e, portanto, da exigência de imparcialidade.

Numa obra pouco conhecida e hoje rara, intitulada O Advogado da Roça (Rio de Janeiro, Typ. Fonseca, 1917, pág. 28), ressalta Manoel Martins da Costa Cruz que a parte derrotada pode suscitar tudo que desejar nas razões de um eventual recurso de apelação, mas não pode apontar vício formal atinente à pessoa do magistrado que tenha ocorrido antes da prolação da sentença. Nestes casos, frisa ele com peculiar simplicidade trata-se de “nulidade de algibeira”, expressão essa que ficou consagrada no nosso vocabulário jurídico, a indicar o comportamento desleal do litigante matreiro, que imagina ter ficado com uma carta na manga, para utilizá-la após o proferimento da sentença, caso lhe seja desfavorável.

E, assim, no âmbito do processo arbitral, a parte que desejar arguir a incapacidade do árbitro por algum motivo de suspeição, a teor do artigo 20 da Lei n. 9.307/96, deverá “fazê-lo na primeira oportunidade que tiver de se manifestar, após a instituição da arbitragem”.

Constata-se, no entanto, que, na maioria das ações anulatórias, a parte que sai derrotada no processo arbitral guarda “no bolso do colete” a alegação (tardia) de suspeição do árbitro, para suscitá-la na ação judicial em que busca a anulação da sentença arbitral. Configura-se aí um caso clássico da denominada “nulidade de algibeira”!

Como bem frisado por Hermes Marcelo Huck, em original ensaio intitulado As táticas de guerrilha na arbitragem (publicado na coletânea 20 anos da lei de arbitragem, São Paulo, Gen-Atlas, 2017, p. 312):

“Há práticas processuais de guerrilha que extrapolam os limites e podem ser consideradas litigância de má-fé. A tática primeira do guerrilheiro arbitral é fugir do processo. Tão logo notificado do requerimento de arbitragem ou se queda silente ou encaminha a petição à Câmara argumentando sobre o descabimento da arbitragem. São os brados de inarbitrabilidade objetiva ou subjetiva que primeiro são ouvidos pelas Câmaras. A lei oferece instrumentos para superar tais chicanas, porém a inafastável consequência dessas práticas — por mais infundadas que sejam — implicam o retardamento do início do processo. Não raro, a parte fugitiva, esgotadas as manobras diversionistas, acaba por surgir no dia da audiência para assinatura do termo, reiterando protestos e clamando ameaças de nulidade. Essa é apenas a tática inicial, pois outras tantas podem surgir, na sequência… Cabe também mencionar o velho estratagema de retardar o processo apresentando impugnações frívolas ao nome do árbitro indicado pela parte contrária ou ao presidente do tribunal. Casos há em que o guerrilheiro apresenta impugnação ao próprio árbitro por ele nomeado. Não raro, para postergar a formação do tribunal, a parte chicaneira submete questionários despropositados a serem respondidos pelos árbitros já indicados, e, quando não, levanta exigências solicitando revelações descabidas, que resultam em impugnações igualmente descabidas. A literatura arbitral é prolífica em tratar casos dessa estirpe que, ao final, são resolvidos — mas não raro —, implicam renúncias desnecessárias e significativo atraso no curso do processo.”

Em determinadas circunstâncias, ainda mais graves, a alegação de suspeição ocorre apenas na petição inicial da ação anulatória da sentença arbitral. Nesses casos, em várias ocasiões, age a parte demandante imbuída de inequívoca má-fé, pois retira do árbitro a oportunidade de apresentar esclarecimentos aos fatos que lhe são imputados, porque toma conhecimento de tais alegações somente depois de ajuizada a ação anulatória.

Importa consignar que a arguição de parcialidade é muito séria, em particular, para o árbitro impugnado, uma vez que, em regra, atinge ela de modo indelével a sua própria honra! Todavia, no nosso direito, não há previsão alguma para uma adequada reprimenda àquele que ajuizou uma ação anulatória despida de provas.

Aduza-se, outrossim, que a alegação extemporânea atinente à suspeição do árbitro, por motivos anteriores à própria instauração do processo arbitral, não pode ser acolhida quando deduzida como alicerce da ação anulatória. E isso porque operou-se, de forma inequívoca, preclusão temporal acerca dessa questão. É dizer: a suspeição do árbitro não alegada no momento processual oportuno, no bojo do processo arbitral, não mais pode ser objeto de discussão em futura ação anulatória.

Fundamentos

Pois bem, no caso julgado pela 3ª Turma, acima referido, a causa petendi deduzida na ação anulatória escudava-se em dois fundamentos, a saber: a) o árbitro declarou no questionário enviado pela câmara que nunca havia atuado na função anteriormente; e b) omitiu que integrava escritório de advocacia que prestava serviços para uma empresa que depende financeiramente da parte que o indicou como coárbitro.

O voto vencedor, da ministra relatora Nancy Andrighi, assevera que eventual omissão no dever de revelação por si só não é motivo suficiente para anulação da sentença arbitral. Tal posição longe está de flexibilizar o dever de revelação. E isso, porque se descortina imprescindível a existência de um conjunto probatório irrefutável, apto a demonstrar que o árbitro, ao escamotear algum fato relevante, tinha em mente beneficiar uma parte em detrimento da outra, textual:

O fato não revelado apto a anular a sentença arbitral precisa demonstrar extinguir a confiança da parte e abalar a independência e a imparcialidade do julgamento do árbitro. Para tanto, são necessárias provas contundentes, não bastando alegações subjetivas desprovidas de relevância no que tange aos seus impactos…”

Na hipótese concreta, entendeu a eminente ministra que todos os argumentos expendidos pela demandante recorrente já eram de conhecimento público desde o início da arbitragem.

Salientou outrossim que seu convencimento decorre da circunstância de que no caso em apreço há uma peculiaridade, qual seja, a de que a alegação de parcialidade foi suscitada apenas após a prolação da sentença que foi desfavorável à parte que, posteriormente, ajuizou a indigitada ação anulatória.

O ministro Ricardo Cueva, a seu turno, acompanhando a relatora, seguiu a mesma linha de raciocínio, pontuando que, à luz das diretrizes internacionais e nacionais que orientam as relações entre os protagonistas do processo arbitral, se de um lado há o dever de revelação, de outro, há o denominado “dever de curiosidade ativa”, pelo qual as partes devem igualmente, na medida do possível, sindicar as condições pessoais do árbitro indicado pelo outro litigante.

Nesse sentido, ainda, o pronunciamento judicioso e convergente do ministro Marco Aurélio Bellizze, acrescentando, com arrimo nas diretrizes da IBA (International Bar Association), que a mera alegação de quebra do dever de revelação não implica automaticamente parcialidade do árbitro, in verbis:

“(…) a violação ou a inadequada observância do dever de revelação pelo árbitro, isoladamente considerada, não tem o condão de anular automaticamente a sentença arbitral, devendo o Poder Judiciário, a esse propósito, no âmbito da correlata ação, se assim provocado tempestivamente, examinar se o fato não revelado tem o condão de, concretamente, comprometer a parcialidade e a independência do árbitro na solução do conflito de interesses que lhe foi submetido” (destaques no original).

Desse modo, ao negar provimento ao mencionado recurso especial, a 3ª Turma manteve a improcedência do pedido de ação anulatória, num caso que teve grande repercussão, ao concluir que, à míngua de prova robusta, não restou demonstrada qualquer ofensa ao princípio da confiança.

Ressalte-se, por fim, a conclusão do ministro Ricardo Cueva, ao afirmar que o Superior Tribunal de Justiça, por força da Emenda Constitucional nº 45, outorgou ao STJ a prerrogativa de ser o guardião do sistema arbitral brasileiro e, assim, nessa condição, tem prestigiado, tanto quanto possível, a higidez das sentenças arbitrais, em prol da segurança jurídica.

De minha parte, tenho convicção de que este importantíssimo precedente vira uma página da exitosa trajetória da arbitragem no Brasil, ao mesmo tempo que tem o mérito de contribuir para a correta delimitação do dever de revelação imposto aos árbitros.

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A alegoria do doutorando Coelho e seu orientador, Dr. Leão

Uma estorinha antiga envolvendo coelhos, leões, lobos, professores e juízes

Em 2012, escrevi uma sátira do relativismo e do livre convencimento — ideia que pode hoje ser estendida aos tempos de “narrativas” e “pós-modernidades” jurídica. Basta abrir as redes sociais. Para os céticos do direito — que dizem que o direito é indeterminado —  eis minha contribuição.

Como dizem alguns professores, o direito não espelha a sociedade; logo, não tem muito o que fazer e o resultado dos julgamentos é produto das convicções pessoais… É o que dizem os céticos.

Bom, se eu aceitar esse tipo de pessimismo, tenho de parar de lecionar. E até de lidar com o direito. Esse tipo de pessimismo epistêmico tem consequências. Graves. Será que os professores (céticos-realistas) não se dão conta? Que tipo de juristas estamos formando desse modo? “É assim mesmo, diz o doutor”?

Bem, se é assim, vamos todos pra casa.

Volto à estorinha. Antiga. Construída por autor — ao que tudo indica — desconhecido, para mostrar a “vontade do poder” do orientador de teses de mestrado e doutorado (qualquer semelhança com o que ocorre em decisões judiciais não é mera coincidência, mormente no que concerne ao livre convencimento, livre apreciação e decisões em embargos de declaração; não esqueçamos que o TJ-SP diz que o erro judiciário pelo qual Edmilson foi condenado a 170 anos decorreu do livre convencimento — vejam, não é alegação minha; é do TJSP). Na época, a coluna fez mais de 80 mil leitores. Em meia hora.

Então. Esse tipo de pessimismo epistêmico tem consequências. Perguntem ao Edmilson.

A tese de doutoramento do jovem Coelho

Num dia lindo e ensolarado, o coelho saiu de sua toca-triplex com o notebook e pôs-se a trabalhar, bem concentrado. Usava óculos de aros grossos, o que lhe dava uma aparência séria e intelectual. Pouco depois, passou por ali a mestranda raposa (ela fazia dissertação sobre o relevantíssimo tema “O Papel dos Embargos e por que milhares são fulminados sem que sejam lidos: Um Olhar Retrospectivo”), e viu aquele suculento coelhinho, tão distraído, que chegou a salivar. No entanto, ela ficou intrigada com a atividade do coelho e aproximou-se, curiosa:

R – Coelhinho, o que você está fazendo aí tão concentrado?
C – Estou redigindo a minha tese de doutorado – disse o coelho sem tirar os olhos do trabalho, apagando o cigarro nervosamente.
R – Humm … e qual é o tema da sua tese?
C – Ah, é uma teoria provando que os coelhos são os verdadeiros predadores naturais de onívoros como as raposas.
R – Ora! Isso é ridículo! Nós é que somos os predadores dos coelhos! Isso está em qualquer livro que trata do assunto, como, por exemplo, o recém-lançado “Manual da Cadeia Jurídico-Alimentar para Estagiários”. Há, ainda, um outro, chamado “Manual Simplificado da Alimentação dos Onívoros)”. Mas, diga-me: qual é a sua teoria de base? Epistemologicamente falando (ele usava o conceito correto de epistemologia e não como hoje se usa por aí, confundindo análise com as condições da análise — a raposa lera Bachelard).
C – Minha tese está sustentada na Jurisprudência dos Interesses. Isto é: embora a lei diga que as raposas são os predadores dos coelhos e outros animais, fui buscar, a partir de uma análise sociológica, os interesses que moveram o legislador. Logo, fiz uma “ponderação”  à brasileira e encontrei a solução. E fez sinal com as patinhas como se estivesse pesando coisas…! De todo modo, vou detalhar isso melhor. Venha comigo à minha toca-biblioteca, que lhe mostrarei toda a bibliografia.

O coelho e a raposa entram na toca-biblioteca. Livros à mancheia. Poucos instantes depois, ouvem-se alguns ruídos indecifráveis, alguns poucos grunhidos e depois silêncio. Em seguida o coelho volta, sozinho, e mais uma vez retoma os trabalhos da sua tese, como se nada tivesse acontecido.

E o coelho é inquirido pelo recém-formado bacharel Lobo

Meia hora depois passa um lobo, recém-formado e ativo nas redes sociais (já produzia “conteúdos” o malandrinho). Levava debaixo do braço sua mais recente aquisição, o livro “Como Aprender Direito Por Meio de Raciocínios Pequeno-gnosiológicos”.

Ao ver o apetitoso coelhinho tão distraído, agradece mentalmente à cadeia alimentar por estar com o seu jantar garantido. No entanto, o lobo também acha muito curioso um coelho trabalhando naquela concentração toda, manejando o seu flamante Apple. O lobo então resolve saber do que se trata aquilo tudo, antes de devorar o coelhinho:

L – Olá, jovem coelho. O que o faz trabalhar tão arduamente?
C – Minha tese de doutorado, bacharel Lobo – e acendeu mais um Cohiba. “Nós, coelhos, somos os grandes predadores de vários animais carnívoros, inclusive dos lobos.”
O lobo não se contém e farfalha diante da petulância do coelho.
L – Caríssimo coelhinho! Isto é um despropósito. Nós, os lobos, é que somos os genuínos predadores dos coelhos. Até aquele livro, “Direito dos Animais Descomplicado”, que já vendeu mais de 20 edições, diz isso. Também o livro “ABC da Predação das Espécies sem as partes chatas” aponta nessa direção. Tem também as publicações plastificadas que explicam bem isso. E na internet está cheia de artigos mostrado isso. Os coaches dizem isso. Mas, diga-me: qual é a sua matriz teórica?
C – Minha tese – e fez uma pausa para uma baforada fazendo círculos de fumaça no ar – está fulcrada na Jurisprudência dos Valores. Sim, a Wertungsjurisprudenz (era terrível esse coelho; agora já estava lançando mão de outro aporte). Por debaixo da lei que diz que, vocês, lobos, são os nossos predadores, estão os valores da sociedade. São esses valores que devem guiar o intérprete no momento da aplicação do direito. E eu os descobri. Descobri também o princípio da famelicidade (que garante aos coelhos famintos o seu quinhão alimentício). São cláusulas abertas. O direito é indeterminado, não sabe? Tenho também o princípio da “evidência”, dos filósofos Chitão e Xororó. Isto é, a lei é apenas a ponta do iceberg. O ius difere da Lex… O barco dos textos jurídicos bate na parte invisível do iceberg (neste instante, seu olhar de superioridade parecia insuportável para o Bel. Lobo). A propósito, se você quiser, eu posso apresentar a minha prova. Você gostaria de me acompanhar à minha toca-biblioteca, para um chá, um charuto e uma discussão teórica de alto nível?

O Lobo não consegue acreditar na sua boa sorte. Ambos desaparecem toca-biblioteca adentro. Alguns instantes depois, ouvem-se uivos desesperados, ruídos de mastigação e … silêncio. Mais uma vez o Coelho retorna sozinho, impassível, e volta ao trabalho de redação da sua tese, como se nada tivesse acontecido… Mastiga, agora, um Partagás, cuja cinza ameaça cair a todo instante…

E o Coiote cursando mestrado profissional encontra o Coelho

No dia seguinte, passa um Coiote, este cursando mestrado profissionalizante. Seu trabalho de conclusão versaria sobre “Como Construir Petições no ChatGPT melhor que o advogado – um (novo) Olhar Gestional” (genial ele, não?). Mesma história. Diálogo parecido. E o Coiote, rolando de tanto rir, faz a mesma pergunta: e em que você se baseia? Li tudo a respeito no livro “Como Aprender O Direito Natural dos Animais em 15 minutos”, já em sua 30ª edição”.

E o Coelho responde: baseio-me na “ponderação de princípios” (ou valores, porque princípios são valores, você bem sabe… — pelo menos para os adeptos do caráter teleológico dos princípios). Na verdade — e, com isso, o doutorando Coelho já estava na sua terceira “matriz teórica” — “fiz um sopesamento e facilmente cheguei à conclusão de que, entre os valores em jogo, facilmente se conclui que são os coelhos os predadores dos coiotes.”

Afinal, se um princípio qualquer inventado pode derrotar o Código Civil ou uma ponderação pode derrotar um precedente de ADC (e citou alguns casos), por qual razão…e continuou falando por mais quinze minutos, atordoando o Coiote. E concluiu: afinal, discricionariedade por discricionariedade, mormente como ela é aplicada em terrae brasilispreferi a ponderação, a “pedra filosofal da interpretação”. É mais charmosa… Pego um princípio (ou um valor) em cada “mão”, pondero, e, pronto… Aí está a solução. E nem preciso construir a regra adstrita. Lembro, ainda, disse o Coelho, “que até fiquei tentado a usar algumas teses pragmaticistas-realistas, retiradas do direito norte-americano. Daria no mesmo”. E, fazendo ar de desdém, deu por encerrada a discussão, não sem antes convidar o visitante a visitar a sua imensa toca-biblioteca.

Na sequência, ambos — coelho e coiote — desaparecem toca-biblioteca adentro. Alguns instantes depois, ouvem-se uivos desesperados, ruídos de mastigação e … silêncio. Mais uma vez o coelho retorna sozinho, impassível, e volta ao trabalho de redação da sua tese, como se nada tivesse acontecido… Seu olhar, agora, era blasé. Como se tivesse pena do mundo.

E o segredo da força do Coelho é, finalmente, revelado ao mundo

Na cena que só pôde ser vista em circuito fechado, dentro da toca-biblioteca do Coelho vê-se uma enorme pilha de ossos ensanguentados e pelancas de diversas ex-raposas e, ao lado desta, outra pilha ainda maior de ossos e restos mortais daquilo que um dia foi de lobos, além de ossos de coiotes…

Ao centro das duas pilhas de ossos, charutos cubanos e garrafas de Dom Perignonum enorme Leão, satisfeito, bem alimentado e sonolento, a palitar os dentes… Na camiseta que usava podia-se ler a frase: Orientador. Que o leitor(a) pode substituir por… bom, cada um saberá.

Moral da estória (se é que preciso explicitar):

– Não importa quão absurda é a tese (ou causa) que você pretende sustentar;

– Não importa se você não tem o mínimo fundamento científico;

– Não importa o tipo de livro que você está lendo;

– Não importa se os seus experimentos nunca cheguem a provar sua teoria;

– Não importa nem mesmo se suas ideias vão contra o mais óbvio dos conceitos cunhados pela tradição da teoria (no caso, do direito)…

– O que importa, mesmo, é o poder (discricionário ou o nome que se dê), é o subjetivismo, é o solipsismo que está por trás do seu argumento (ou quem seja o seu orientador, se estivermos a tratar de uma tese…). O que importa é a “vontade do poder”; o que importa é que a “interpretação seja um ato de vontade”, seja essa “vontade” entendida como poder discricionário, arbitrário, busca dos interesses, dos valores etc (se estivermos a tratar de uma decisão judicial…). Importa mesmo se você tem poder para dizer — por exemplo, para dizer o que é um precedente. Com isso, sempre se terá a resposta que se quiser.

Metáforas, estórias, histórias, metonímias etc., servem para ajudar a entender a realidade.

Esta coluna, que reproduz algo que escrevi em 2012 (e nada mudou de lá para cá) é uma homenagem aos otimistas que acreditam que vale estudar, que a doutrina tem papel relevante, que existem fatos, que não se pode dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa.

O ensino jurídico vai bem? Se assim está bem para você, retiro tudo o que disse. E cada um pode sair por aí dizendo “qualquer coisa sobre qualquer coisa”. Igual ao coelho da alegoria acima. Basta procurar em seu armário gnosiológico uma teoria prêt-à-porter. Sempre haverá alguma tese doutrinária ou algum “precedente” de caráter solipsista para sustentar que Chimbinha é genial. E se a “corte de vértice” disse… então é porque é. Evidente.

Como bem disse outro dia o grande L.F. Veríssimo: rios são metáforas fortes. Contundentes. Daí o mistério de buscar a nascente dos rios. Imagine-se a emoção dos exploradores da National Geographic quando descobriram os pingos da geleira do Nevado Mismi, no Peru, onde aparece o filete d’água que se transforma no Amazonas. E a alegria de Joseph Conrad quando encontrou os primeiros pingos do Nilo, no coração escuro da floresta do Congo. Diz Veríssimo: as nascentes são metáforas mais obscuras: do começo e da razão profunda de tudo. Do primeiro mistério.

Concluo com Guimarães Rosa: “só na foz dos rios é que se ouvem os murmúrios de todas as fontes”. Talvez o que falte para o direito é buscar a nascente.

Acham que não? Perguntem o que o Edmilson acha. Edmilson existe.

Post Scriptum: este artigo foi produzido em ambiente controlado, por profissional habilitado e nenhum coelho, raposa, lobo ou coiote foi maltratado durante a sua realização!

E vejam que belos óculos usa o professor Leão.

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Insatisfação geral: planos de saúde na berlinda

A regulação dos planos de saúde completou 26 anos, importante revisitá-la para aperfeiçoá-la à luz do Código de Defesa do Consumidor. Deve-se comemorar que no Brasil há lei específica, a Lei 9.656, de 3 de junho de 1998, e uma agência reguladora, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), incumbida de regulamentar, fiscalizar e monitorar o mercado de saúde suplementar, com foco na qualidade da assistência à saúde.

A relação, entre os consumidores e as operadoras de planos de saúde, que oferecem serviços de assistência à saúde, está amparada pelo CDC. A Lei 14.454, de 21 de setembro de 2022, determina que o Código de Defesa do Consumidor tem aplicação cumulativa e complementar à Lei dos Planos de Saúde. Da lei geral extraem-se os comandos principiológicos aplicáveis à proteção do consumidor, ao passo que à legislação específica caberá reger, de forma minudenciada, os planos de saúde.

O legislador veio pacificar positivamente, o que sempre defendemos, que o CDC se aplica complementarmente a todos os contratos de planos de saúde, sejam antigos ou novos, sem nenhuma ressalva. Portanto, os consumidores de planos de saúde têm o direito de ver, reconhecidos, todos os direitos e princípios assegurados pela lei consumerista.

Nesse diapasão, a ANS deve observar os ditames do CDC ao regular e fiscalizar o setor de saúde suplementar, especialmente seus princípios que se destacam, em primeiro plano, a vulnerabilidade do consumidor, o direito à informação e transparência, a boa-fé objetiva e o equilíbrio dos contratos, além de interagir com o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, na busca de um mercado sustentável, eficiente e socialmente justo e que o consumidor seja beneficiário de suas ações.

Claro que além dessa vitória, avanços são inegáveis nesses anos, como por exemplo, também, recentemente positivado, o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, ser dinâmico, isto é, admitir a cobertura de procedimentos não listados nele, desde que o médico ou odontólogo assistente comprovem a eficácia de acordo em evidências cientificas e plano terapêutico ou forem recomendados pelo Conitec/SUS ou órgão de avaliação em tecnologia em saúde internacional.

Entretanto, a regulação do setor de saúde suplementar ainda necessita de aperfeiçoamentos, especialmente em pontos que não se coadunam com o CDC, tais como os planos de saúde coletivos, que têm reajustes não autorizados pela ANS, podem suspender ou rescindir unilateralmente seus contratos, e não são obrigados a fornecerem aos consumidores as condições gerais dos contratos.

Por conta disso, nestes anos os conflitos têm aumentado consideravelmente e o Poder Judiciário provocado a dirimir as ações judiciais de consumidores em face às operadoras de planos de saúde.

Desde 2006, encontram-se inúmeros Projetos de Lei em tramitação na Câmara dos Deputados apensados ao PL 7.419, inclusive com relatório satisfatório elaborado pelo deputado Duarte Junior, para apreciação.

Ocorre que as operadoras há muito tempo insatisfeitas com as regras vigentes têm tido comportamento alheio aos interesses de seus consumidores, alegando estratégias empresariais. Isto é, deixaram de comercializar planos individuais ou familiares devido as regras serem mais exigentes; têm rescindido unilateralmente contratos coletivos de consumidores, especialmente de idosos e portadores de doenças raras; vêm dificultando autorizações de coberturas assistenciais; não têm cumprido decisões judiciais. Além de defenderem publicamente proposta de alteração legislativa, permitindo a comercialização de planos subsegmentados, acessíveis ou populares, que são planos com coberturas assistenciais reduzidas.

Diante disso, há descontentamento dos consumidores, a Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor) notificou empresas para se manifestarem e o presidente da Câmara dos Deputados convocou somente as operadoras para reunião e, informou pelas redes sociais, que firmou verbalmente um acordo. Sabe-se que este acordo deu-se, em contrapartida à abertura de uma CPI, desde que elas readmitam os consumidores cancelados e que a casa legislativa retornará a analisar o tema em regime de urgência.

Insatisfação geral

Infelizmente, mais uma vez os planos de saúde voltaram à berlinda, o descontentamento é geral. Entende-se que é obvio haver sustentabilidade social, econômica e ambiental, com todos os atores satisfeitos.

Nesse diapasão, é importante o aperfeiçoamento do marco regulatório dos planos de saúde, o qual deve se dar a partir de um debate amplo com todos os atores envolvidos na saúde suplementar e, também, não deve haver retrocessos referentes às conquistas alcançadas até o momento.

Ressalta-se que, as operadoras têm que compreender que prestam no mercado de consumo assistência à saúde, isto quer dizer, que seus clientes devem ter um atendimento assistencial de qualidade de todas as doenças previstas pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e os consumidores devem utilizar seus planos de saúde com responsabilidade além de pagar em dia suas mensalidades.

Causa tristeza o setor regulado há tantos anos continuar a desrespeitar seus consumidores, portanto é imprescindível que o debate se inicie imediatamente de forma transparente.

Sugere-se alguns desafios para tentar alcançar consensos

  1. A ministra da Saúde deve estar alinhada com os membros do Consu (Conselho da Saúde Suplementar) para estabelecer diretrizes para o setor da saúde suplementar;
  2. A ANS deve fiscalizar com afinco as operadoras infratoras;
  3. O Poder Legislativo deve convocar toda a sociedade para um diálogo transparente;
  4. A necessidade da integração informacional entre o SUS e o sistema privado, justamente para definir as políticas públicas do setor de saúde;
  5. A indicação de diretores para a ANS e para os seus cargos comissionados de profissionais técnicos capacitados de notório saber e ilibada reputação;
  6. No que se refere, especialmente, à possível proposta de regulação de planos subsegmentados, acessíveis ou populares, com cobertura reduzida e custos mais baixos, seria oportuno ouvir o Ieps (Instituto de Estudos em Políticas de Saúde), criado pelo economista Arminio Fraga, que tem estudo sobre o tema e entende que esta ideia sobrecarregará o SUS e aumentará a desigualdade no acesso e na judicialização da saúde;
  7. É importante também a adequação das normas de defesa do consumidor na regulação dos planos de saúde, isto é, a compatibilização ao CDC. Os principais pontos: a entrega do contrato para os consumidores de planos coletivos; vedar a possibilidade de rescisão ou suspensão do contrato de planos coletivos; o reajuste financeiro dos planos coletivos deve também ser autorizado pela ANS, como já acontece com os planos individuais;
  8. Em relação ao Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, que trata da cobertura mínima obrigatória pelas operadoras de planos de saúde, entende-se que foi um avanço a aprovação recente da Lei 14.454/2022, mas vê-se com preocupação a possibilidade da indicação de um procedimento ou medicamento, indicado por um médico, que possa não ter comprovação científica ou não aprovação de um órgão técnico regulador (ex: pílula do câncer ou cloroquina). O legislador deveria ter utilizado a locução aditiva (e) e não a alternativa (ou);
  9. Outro tema, que merece atenção, é a necessidade do atendimento integrado com prontuário eletrônico pessoal e, também, tornar definitiva as práticas de telemedicina e teleconsultas;
  10. Aperfeiçoar modelos de remuneração dos profissionais de saúde vinculados à qualidade e à eficácia, como alternativa ao fee for service, que é muito utilizado e gera desperdício;
  11. É muito importante tipificar crimes contra fraude e de desvios de recursos na saúde;
  12. Seria oportuno criar um órgão técnico único para avaliar a incorporação de novas tecnologias, pautado na medicina baseada em evidência, tanto para o SUS como para saúde suplementar.

Por fim, todo o debate da saúde deve ser focado no cidadão e consumidor, lembrando sempre que o atendimento deve ser humanizado, respeitando a dignidade humana. É fundamental para construirmos um país mais justo, igualitário e solidário estarmos todos unidos, dialogando para encontrarmos um caminho com políticas públicas eficazes.

Mãos à obra!

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Ilusionismo trabalhista: o show tem que acabar

Hoje, terça-feira (25/6), será o lançamento da obra que reúne artigos escritos aqui nesta coluna. Um dia de festa. Publicado pela Editora Venturoli, que me acolheu provando que ainda há espaço para a diversidade de ideias no cenário acadêmico, a obra “Ilusionismo trabalhista: o show tem que acabar” busca ser mais do que o registro das minhas opiniões.

Trata-se de um grande alerta para colocarmos a Justiça do Trabalho novamente em sua verdadeira missão: ser uma Casa de Justiça para trabalhadores e empresários.

Para registrar o dia, queria apenas expressar minha gratidão. E, para tanto, transcrevo os agradecimentos que se encontram no livro, pois jamais conseguiria forças para realizar a obra sem a contribuição de cada uma das pessoas que cito abaixo.

“Esta obra não constitui um esforço meramente teórico, pois construída com todos os elementos que constituem a própria vida. Foram momentos de felicidade, tristeza, alegria, depressão, orgulho, desesperança, coragem e medo para finalmente chegar na aceitação.

Ela surgiu conforme seguia o rumo das minhas atividades, com o único intuito de expressar o que via e sentia, contribuindo para a melhoria da instituição a que pertenço, a Justiça do Trabalho.  A obra surge no ano em que completo 30 anos de casa, três como servidor e 27 como magistrado.

Gostaria de aproveitar o momento para expressar minha gratidão a quem viabilizou a concretização deste projeto.  Primeiro, ao Conselho da Editora Venturoli, que corajosamente abraçou a ideia de publicar textos polêmicos, sem qualquer tipo de discriminação.

Segundo, ao meu querido amigo e colega de magistratura Rodrigo Dias da Fonseca, que por semanas a fio realizou a revisão dos textos, sempre com sugestões prontamente acolhidas pelo autor, enriquecendo o conteúdo da publicação.

Terceiro, ao professor Nelson Mannrich, pela acolhida em momento tão difícil da minha carreira no seio do GetrabB — USP, grupo de pesquisas por ele coordenado e que constitui verdadeira usina de ideias e inovação.

Quarto, ao professor José Pastore, que, ao emprestar sua história em prefaciar esta obra, me concedeu o maior prêmio que poderia obter em toda minha carreira.

Finalmente, agradeço à minha esposa, Roberta Torres Calvet, pela diuturna troca de ideias, embates, discussões, conclusões e genialidade na percepção do mundo que nos cerca e, principalmente, pelo suporte emocional que me permite continuar em atividade.  Sem você, eu simplesmente desistiria.

Dedico este livro aos meus filhos e enteados, Nina, Tais, Bernardo, Ricardo, Thomaz e Ingrid: que vocês nunca sejam seduzidos por ilusões.

Para todos os leitores, mesmo os que ainda não me compreendem, renovo a gratidão por dedicarem algum tempo de suas vidas compartilhando meus pensamentos. Iremos juntos até o final.”

E quem puder, coquetel de lançamento nesta terça-feira, 25/6/2024, às 17h, no Convento do Carmo, centro, Rio de Janeiro. Será um prazer recebê-los.

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30 anos do Plano Real: entre DRU e sistema de metas de inflação

O Plano Real completa 30 anos em 2024. Institucionalmente, sua origem coincide com a edição da Medida Provisória nº 542, de 30 de junho de 1994.

A MP nº 542/1994 foi reeditada e alterada diversas vezes até ser formalmente convertida na Lei nº 9.069, de 29 de junho de 1995, que “dispõe sobre o Plano Real, o Sistema Monetário Nacional, estabelece as regras e condições de emissão do Real e os critérios para conversão das obrigações para o Real, e dá outras providências”.

Entre os diversos instrumentos normativos que lhe subsidiaram a consecução ao longo dessas três décadas, destacam-se os institutos da Desvinculação de Receitas da União (DRU) e o Sistema de Metas de Inflação (SMI).

A desvinculação de receitas foi estabelecida e redesenhada sucessivas vezes nos artigos 71, 72, 76, 76-A e 76-B do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) ao longo dos seus 30 anos de vigência. O Sistema de Metas de Inflação, por seu turno, foi fixado pelo Decreto 3.088, de 21 de junho de 1999, onde persiste há 25 anos de forma relativamente estável, sem maiores alterações.

Originalmente, a desvinculação de receitas foi concebida como Fundo Social de Emergência (FSE), com posteriores redesignações para Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e desvinculação de receitas da União, a qual foi estendida ulteriormente aos estados e aos municípios, donde a tríade DRU, DRE e DRM.

O FSE foi instituído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 1, de 1º de março de 1994, para viger até 1995, “com o objetivo de saneamento financeiro da Fazenda Pública Federal e de estabilização econômica”. Supostamente os recursos parcialmente desvinculados seriam “aplicados no custeio das ações dos sistemas de saúde e educação, benefícios previdenciários e auxílios assistenciais de prestação continuada, inclusive liquidação de passivo previdenciário, e outros programas de relevante interesse econômico e social”.

O decurso do tempo comprovou que a alegada finalidade de desvincular parcela significativa das receitas destinadas à seguridade social supostamente para custear as ações de saúde, previdência e assistência social era falaciosa. A bem da verdade, a razão estrutural dos instrumentos de desvinculação FSE/FEF/DRU era mitigar a relação de instrumentalidade entre as contribuições sociais e o Orçamento da Seguridade Social previsto nos artigos 165, §5º, III, 195, §2º, 198, §1º e 204, todos da Constituição de 1988.

Desde sua instituição até os presentes dias, foram 12 Emendas Constitucionais, que cuidaram — direta ou indiretamente — da desvinculação de receitas, prevendo-a, redesignando-a, ampliando-a e, sobretudo, prorrogando-a no ADCT. A tabela abaixo contempla os respectivos dados basilares:

Como se não bastassem tantas alterações, começa a ser aventada a 13ª emenda constitucional sobre a desvinculação de receitas, vez que o governo federal tem buscado alternativas de ajuste fiscal que mitiguem a necessidade de uma revisão imediata da Lei Complementar 200/2023 (Regime Fiscal Sustentável, alcunhado vulgarmente de “Novo Arcabouço Fiscal”) já em 2025.

A pauta que começa a ser ventilada na imprensa seria não só a de prorrogar a DRU para além de 31/12/2024, como também de estender seus efeitos sobre a sistemática dos pisos em saúde e educação. Tal proposta de ampliar o escopo da DRU para mitigar o alcance do dever federal de gasto mínimo em saúde e educação trata-se de um inconstitucional e incoerente retrocesso em relação ao artigo 5º da Emenda 59/2009 e artigo 2º da Emenda 103/2019, que, respectivamente, acrescentaram ao artigo 76 do ADCT os §§3º e 4º, visando a excluir tais recursos vinculados da incidência daquele instituto.

Aliás, a redação atualmente vigente dos artigos 76, 76-A e 76-B é contrária à inserção dos pisos em saúde e educação nas hipóteses de desvinculação de receitas da União, dos estados e dos municípios:

“Art. 76. São desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2024, 30% (trinta por cento) da arrecadação da União relativa às contribuições sociais, sem prejuízo do pagamento das despesas do Regime Geral de Previdência Social, às contribuições de intervenção no domínio econômico e às taxas, já instituídas ou que vierem a ser criadas até a referida data.

[…]

§ 2° Excetua-se da desvinculação de que trata o caput a arrecadação da contribuição social do salário-educação a que se refere o § 5º do art. 212 da Constituição Federal .

[…]

§ 4º A desvinculação de que trata o caput não se aplica às receitas das contribuições sociais destinadas ao custeio da seguridade social.

Art. 76-A. São desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2032, 30% (trinta por cento) das receitas dos Estados e do Distrito Federal relativas a impostos, taxas e multas já instituídos ou que vierem a ser criados até a referida data, seus adicionais e respectivos acréscimos legais, e outras receitas correntes.

Parágrafo único. Excetuam-se da desvinculação de que trata o caput:

I – recursos destinados ao financiamento das ações e serviços públicos de saúde e à manutenção e desenvolvimento do ensino de que tratam, respectivamente, os incisos II e III do § 2º do art. 198 e o art. 212 da Constituição Federal;

[…]

Art. 76-B. São desvinculados de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2032, 30% (trinta por cento) das receitas dos Municípios relativas a impostos, taxas e multas, já instituídos ou que vierem a ser criados até a referida data, seus adicionais e respectivos acréscimos legais, e outras receitas correntes.

Parágrafo único. Excetuam-se da desvinculação de que trata o caput:

I – recursos destinados ao financiamento das ações e serviços públicos de saúde e à manutenção e desenvolvimento do ensino de que tratam, respectivamente, os incisos II e III do § 2º do art. 198 e o art. 212 da Constituição Federal;

[…]”

Segundo José Roberto Afonso [1], “[…] vale criticar um pouco mais a ideia da desvinculação, que as autoridades federais enxergam como o caminho necessário para se racionalizar o gasto [público] e implantar políticas fiscais anticíclicas”, porque “[…] não há relação de causa e efeito — isto é, nem vincular, muito menos desvincular, por si só, asseguram boas ou más performances do gasto”. Embasam a afirmação em pauta as constatações feitas pelo citado autor (2004, p. 19-21) de que:

a) “num exemplo extremo, se as contribuições para a seguridade social fossem convertidas em impostos de livre aplicação, por si só, isso não significaria desobrigar a previdência social de pagar aposentadorias e pensões, nem mesmo aos que ainda trabalham, mas têm direitos adquiridos”; embora seja sempre “alegado que, sem tal processo [de desvinculação], seria impossível cumprir as metas fiscais, porém, as mais duras firmadas com o FMI, inclusive após a elevação da meta de superávit primário para patamar nunca observado na história recente, foram sucessiva e plenamente cumpridas”;

b) “após a implantação do caixa único do Tesouro Nacional, sempre há opção de simplesmente contingenciar as dotações orçamentárias e manter entesourado os recursos, como atalho mais curto para assegurar a geração do superávit”;

c) “no âmbito estadual e municipal, o atendimento das metas de superávit primário tem sido fruto justamente de uma vinculação: de proporção da receita corrente para pagamento mensal do serviço da dívida renegociada com o Tesouro Nacional”;

d) existe severa contradição no “discurso oficial recente de que a vinculação prejudica a eficiência e a eficácia da provisão de serviços sociais básicos, porque elas [as vinculações de receitas para a seguridade social e de percentual mínimo de gastos para saúde e educação] foram aprovadas no Congresso justamente com o objetivo inverso”;

e) enquanto “o pretexto [da desvinculação] foi de assegurar a continuidade do financiamento e da despesa com benefícios e serviços sociais básicos, inclusive para permitir a pactuação de uma nova divisão de responsabilidades entre esferas de governo que promovesse a descentralização das ações e também para custear o aumento dos gastos correntes resultantes das novas e maiores inversões esperadas”, efetivamente, “é inegável que a política fiscal do governo federal foi e continuará sendo beneficiada pela desvinculação de 20% de sua receita tributária”, sendo que “o maior efeito prático desta medida era liberar contribuições da seguridade (Cofins, CSLL) para financiar os benefícios dos servidores [públicos] inativos”, o que seria burla à diferenciação dos regimes geral e próprio de previdência social; e, enfim,

f) cumpre lembrar o relevante papel de poupança interna da “[…] vinculação que foi desenhada com um regime especial, visando gerar uma poupança pública no presente que financie o gasto futuro, ou mesmo procure evitá-lo — caso particular da destinação constitucional da contribuição sobre receitas (do PIS/PASEP) para aplicações através do BNDES e para custeio do seguro-desemprego, no âmbito do Fundo de Amparo aos Trabalhadores (o FAT)”.

Em meio a tantas controvérsias e inconsistências, fato é que a desvinculação — que fora criada para durar inicialmente dois anos — já se prolonga por três décadas. O supostamente provisório se perenizou de forma errática em meio a 12 Emendas Constitucionais (ECR nº 1/1994, bem como EC’s nº 10/1996, 17/1997, 27/2000, 42/2003, 56/2007, 59/2009, 68/2011, 93/2016, 103/2019, 126/2022 e 132/2023).

Tamanho redesenho no arranjo constitucional da desvinculação de receitas (independentemente do nome que a veicule: FSE/FEF/DRU/DRE/DRM) contrasta com a manutenção praticamente inalterada do Decreto 3.088, de 1999, que fixou o Sistema de Metas de Inflação.

Passados 25 anos desde sua edição, não houve mudança significativa no Decreto 3.088, nem mesmo em função da edição da Lei Complementar 179, de 24 de fevereiro de 2021, que modificou profundamente o regime jurídico do Banco Central. A autoridade monetária passou a gozar de mandato fixo para seus dirigentes, para que pudesse não só perseguir as metas de inflação, mas também para que devesse institucionalmente “zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”, na forma do parágrafo único do artigo 1º da LC 179/2021.

Muito embora a institucionalidade do Sistema de Metas de Inflação pareça mais estável, ela é, em essência, lacunosa. A forma como a política monetária tem sido conduzida no Brasil traz consigo severos impactos sociais, econômicos e fiscais, que mereceriam debate mais detido e aprimoramento intertemporal.

Diferentemente do que se sucede com a DRU, há uma interdição temática à reflexão sobre como aprimorar o devido processo da política monetária em que se dá o manejo da taxa básica de juros pelo Banco Central, visando a entregar a inflação dentro dos limites de oscilação da meta projetada pelo Conselho Monetário Nacional.

No Texto para Discussão 2403, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Luís Carlos Magalhães e Carla Rodrigues Costa suscitam que as despesas financeiras decorrentes, majoritariamente, da atuação finalística do Banco Central seriam uma categoria ausente na tematização da agenda de ajuste fiscal do Brasil:

“a elevada despesa com serviços de juros da dívida pública federal é um fator importante que dificulta a obtenção do equilíbrio fiscal, como também o crescimento econômico do país. As evidências apresentadas no trabalho sugerem que a obtenção de equilíbrio fiscal sustentável requer alteração da atual institucionalidade da gestão da dívida pública, herdada do período de alta inflação. Além disso, por diversas regras de funcionamento dos mercados primários e secundários da dívida pública, discutidas no trabalho, este equilíbrio impede que a despesa pública com serviço de juros convirja para padrões internacionais. Ao custo fiscal do arranjo institucional da gestão da Dívida Pública Mobiliária Federal interna (DPMFi), somam-se os custos das complementaridades institucionais construídas nas últimas décadas com a política monetária e cambial. Essas complementaridades criam uma rede de arranjos institucionais com atributo de path dependence, o que dificulta sua alteração de forma a reduzir esses custos fiscais.” (Magalhães; Costa, 2018, p. 7)

Larissa Dornelas e Fábio Terra oferecem diagnóstico semelhante sobre o mercado da dívida pública no Brasil, que congrega tanto a gestão de liquidez da política monetária, quanto o resultado da política fiscal no âmbito do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic):

“[…] houve no Brasil uma fusão dos mercados monetário e de dívida pública com a criação do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC), em 1979, de modo que se passou a ter no País um único e grande mercado de dívida pública, chamado de mercado SELIC, no qual se marca a taxa básica de juros no Brasil, a taxa Selic. Nele utilizam-se os mesmos títulos públicos, emitidos pelo Tesouro Nacional (TN), para a realização tanto da política monetária quanto para a gestão da dívida pública. Dessa forma, no mercado SELIC instrumentalizam-se operações de mercado aberto, além de se transacionarem títulos para fins fiscais, já que todas as transações que envolvem títulos públicos se dão em seu âmbito.

[…] a estrutura do sistema financeiro nacional (SFN) convencionou-se e habitou-se com o perfil da circulação de títulos no tempo da zeragem automática e da alta inflação: a demanda por ativos financeiros centra-se em compor carteira com investimentos de curto prazo, com liquidez elevada, que gere rentabilidade com baixo risco.

[…] por conta da pós-fixação dos títulos públicos componentes da dívida mobiliária (inclusive nos usados nas operações compromissadas), a taxa de juros básica do BCB precisa permanecer em patamares elevados para ter eficácia no controle inflacionário. Porém, como esta taxa é a mínima que remunerará outros ativos no País, inclusive do rendimento dos títulos públicos para fins fiscais, gera-se assim, uma contaminação da política monetária na gestão da dívida pública, cuja volatilidade da taxa Selic, quando ocorre, impregna-se nos juros dos títulos da política fiscal e, dada a elevada taxa básica historicamente praticada, tem-se um alto custo para o financiamento do governo. Como se não bastasse o alto e volátil custo do financiamento da dívida pública, cria-se um ciclo vicioso: cobram-se altos prêmios pela falta de credibilidade de um governo que emite dívida de curto prazo e, com a continuidade desse perfil de dívida, o custo dela aumenta.”

As análises coincidem, mas sequer chegam a ser debatidas amplamente nas arenas públicas mais expressivas de reflexão sobre os rumos das contas públicas, a despeito de as despesas com juros alcançarem cerca de 8% do PIB ao ano. Nesse contexto, soa contraditória, quando não enviesada a preferência por pautar a desvinculação dos gastos sociais (pisos em saúde e educação, garantia de que os benefícios da previdência e da assistência social não sejam inferiores ao salário mínimo etc), antes de qualquer retomada séria desse ajuste ausente sobre as despesas financeiras.

Neste aniversário de 30 anos do Plano Real, desvendar tamanho impasse é ponto de partida e dever de equidade, para que seja possível tanto lhe corrigir os rumos, quanto lhe resguardar sustentabilidade e legitimidade para as próximas décadas.


[1] AFONSO, José Roberto. LRF: por que parou? Rio de Janeiro, 2004, p. 19-21.

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