Cabe à Justiça estadual julgar superendividamento, mesmo com ente federal no polo passivo

O caso julgado pela Segunda Seção envolvia um consumidor que ajuizou ação de repactuação de dívidas contra várias instituições financeiras, entre elas a Caixa Econômica Federal.

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a competência da Justiça estadual (ou distrital) para julgar processos de repactuação de dívidas previstos no artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), mesmo nas hipóteses de um ente federal integrar o polo passivo da demanda.

Para o colegiado, a situação configura uma exceção e não atrai a regra de competência da Justiça Federal prevista no inciso I do artigo 109 da Constituição Federal.

O relator do conflito, ministro João Otávio de Noronha, explicou que as mudanças introduzidas no CDC pela Lei 14.181/2021, entre elas o conceito de superendividamento, exigem uma visão global da pessoa envolvida no ato de consumo, não apenas focando no negócio jurídico em exame.

Ele explicou que a natureza do processo por superendividamento tem a finalidade de preservar o mínimo existencial e, mesmo antes da introdução deste conceito no CDC, o STJ já acentuava a imprescindibilidade de preservação do mínimo existencial nos casos de renegociação de dívidas, em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana.

O ministro citou precedentes segundo os quais, nos casos de processos de superendividamento, as empresas públicas, excepcionalmente, estão sujeitas à competência da Justiça estadual, em razão do caráter concursal e da pluralidade de partes envolvidas.

“A despeito de o processo por superendividamento não importar em declaração de insolvência, a recente orientação firmada na Segunda Seção do STJ é no sentido da fixação da competência da Justiça estadual ou distrital mesmo quando figure como parte ou interessado um ente federal, dada a natureza concursal”, comentou o ministro ao fundamentar seu voto.

Superendividamento e a necessidade de renegociação de dívidas

No caso analisado, o consumidor ajuizou uma ação de repactuação de dívidas com base no conceito de superendividamento previsto no CDC. A demanda envolveu várias instituições financeiras, entre elas a Caixa Econômica Federal, e requereu a limitação dos descontos em R$ 15 mil por mês.

Constada a presença da Caixa Econômica Federal no polo passivo, o juízo distrital declinou a competência do caso para a Justiça Federal. Por sua vez, o juízo federal suscitou o conflito e destacou que a demanda de repactuação de dívidas diz respeito à situação de insolvência civil, o que seria uma exclusão à regra prevista na Constituição para a competência federal.

Ao analisar o conflito de competência, o ministro João Otavio de Noronha elencou semelhanças entre o processo de renegociação de dívidas com base em superendividamento e o de recuperação de empresas regrado pela Lei 11.101/2005.

Para o ministro, assim como no caso das empresas, a definição de um juízo universal se faz necessária no caso da pessoa física superendividada, pois, ao longo do procedimento, será possível relacionar todos os débitos e os respectivos credores, estabelecendo-se um único plano de pagamento.

“Não há dúvida quanto à necessidade de fixação de um único juízo para conhecer do processo de superendividamento e julgá-lo, ao qual competirão a revisão e a integração dos contratos firmados pelo consumidor endividado e o poder-dever de aferir eventuais ilegalidades nessas negociações”, concluiu Noronha.

Fonte: STJ

Crimes contra a democracia estão entre os temas de destaque do Entender Direito em 2023

O programa Entender Direito abriu o ano judiciário de 2023 com um debate sobre a Lei 14.197/2021, que tipificou uma série de crimes contra o Estado Democrático de Direito. A conversa com especialistas, conduzida pela jornalista Fátima Uchôa, girou em torno das repercussões jurídicas dos ataques contra as sedes dos três poderes no dia 8 de janeiro.

Entre as condutas criminosas fixadas na nova lei, estão o golpe de Estado e a interrupção do processo eleitoral, com penas que chegam a 15 anos de reclusão. O normativo também revogou a Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/1983).

Foram entrevistados o professor e promotor de Justiça do Ministério Público de Mato Grosso Renee Souza e o professor e promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo Ricardo Silvares.

Grandes temas do direito em debate

Entender Direito é um programa quinzenal que aborda discussões relevantes no meio jurídico e acadêmico, com a participação de juristas e operadores do direito debatendo cada tema à luz da legislação e da jurisprudência do STJ. Durante as férias coletivas dos ministros, em julho, o programa é reprisado na TV e na Rádio Justiça.

Confira a entrevista na TV Justiça, às quartas-feiras, às 10h, com reprises aos sábados, às 14h, e às terças, às 22h. Também está disponível no canal do STJ no YouTube. Na Rádio Justiça (104,7 FM – Brasília), o programa é apresentado de forma inédita aos sábados, às 7h, com reprise aos domingos, às 23h.

Fonte: STJ

Em regra, honorários sucumbenciais serão processados no juízo que decidiu a causa

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o cumprimento de sentença relativo a honorários sucumbenciais deve ser processado, em regra, no juízo que decidiu a causa principal, da qual proveio a verba honorária, ainda que se trate de vara especializada. Na decisão, o colegiado ressalvou a possibilidade de o exequente escolher outro juízo.

O recurso julgado pela turma tratava de um caso em que, no cumprimento de sentença relativo a honorários fixados em ação de guarda, o juízo não conheceu do pedido de execução, por entender que a matéria era alheia à sua competência especializada e deveria ser processada em juízo cível.

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) manteve a decisão, sob o fundamento de que a competência para processar e julgar o cumprimento de sentença, no caso, seria do juízo residual cível, e não da vara de família e sucessões.

No recurso dirigido ao STJ, a recorrente defendeu que a competência para processar o cumprimento de sentença dos honorários de sucumbência é do juízo onde tramitou a ação de guarda.

Vara especializada não altera competência para processamento de honorários

O relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, ressaltou que, segundo o artigo 516, inciso II, do Código de Processo Civil (CPC), a regra de competência para o cumprimento de sentença se efetua perante o juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição.

Conforme explicado pelo ministro, “o fato de o título executivo ter-se originado de vara especializada, que decorra da lei de organização judiciária, não tem o condão de alterar a competência absoluta do respectivo juízo para o cumprimento de sentença de seus julgados, sobretudo quando a mencionada vara especializada (de família e sucessões, na hipótese) insere-se na matéria cível”.

O ministro destacou que, embora os honorários sucumbenciais devam ser executados perante o mesmo juízo competente para o cumprimento de sentença da tutela principal, o exequente pode fazer opção diversa, de acordo com o disposto no parágrafo único do artigo 516 do CPC.

Da mesma forma, o relator apontou que o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em seu artigo 24, parágrafo 1º, “atribui ao advogado exequente a faculdade de escolher o juízo para dar início ao cumprimento de sentença da verba honorária que lhe é devida, admitindo a sua realização no mesmo feito da ação da qual se originaram os honorários”.

Fonte: STJ

Informativo traz aplicação da Lei de Improbidade a políticos municipais e termo inicial da prescrição aquisitiva

A Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) divulgou a edição 779 do Informativo de Jurisprudência. A equipe de publicação destacou dois julgamentos nessa edição.

No primeiro acórdão, a Primeira Turma estabeleceu que os agentes políticos municipais se submetem aos ditames da Lei de Improbidade Administrativa, sem prejuízo da responsabilização política e criminal estabelecida no Decreto-Lei 201/1967. O entendimento foi trazido no AREsp 2.031.414, de relatoria do ministro Gurgel de Faria.

Em outro processo, a Terceira Turma decidiu que o termo inicial da prescrição aquisitiva é o do exercício da posse ad usucapionem, não da ciência do titular do imóvel da violação ao seu direito de propriedade, ainda que constatada somente após ação demarcatória, devendo ser afastada a aplicação da teoria da actio nata em seu viés subjetivo. A tese está fixada no REsp 1.837.425, de relatoria do ministro Marco Buzzi.

Fonte: STJ

Sexta Turma absolve homem apontado por vítimas de roubo ao participar, como dublê, de reconhecimento do pai

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, absolveu um homem que havia sido condenado a dez anos e quatro meses de prisão após ser apontado como coautor de um roubo enquanto participava, como dublê, do reconhecimento criminal de seu pai. Para o colegiado, o caso revelou clara violação à regra de que ninguém pode ser condenado com base em prova que não supere a dúvida razoável quanto à sua participação no crime.

De acordo com o processo, câmeras de segurança registraram o roubo praticado por três pessoas, mas as imagens não tinham nitidez suficiente para permitir a identificação dos criminosos. Posteriormente, na delegacia, olhando um álbum com fotos de suspeitos, as vítimas apontaram dois supostos participantes do roubo. Decretada a prisão temporária de ambos, a polícia só conseguiu cumprir um dos mandados.

Dois filhos do suspeito preso o acompanharam à delegacia, ocasião em que aceitaram participar do procedimento de reconhecimento do pai, ficando lado a lado com ele enquanto eram observados pelas vítimas. Surpreendentemente, um dos filhos foi apontado como coautor do roubo – e acabou condenado em conjunto com o pai, mesmo não havendo nenhuma outra prova contra ele.

Tanto a sentença quanto o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) consideraram o reconhecimento suficiente para a definição da autoria do crime, e que o procedimento seguiu rigorosamente o previsto no artigo 226 do Código de Processo Penal (CPP).

Procedimentos do artigo 226 do CPP não configuram mera recomendação

O relator do habeas corpus submetido ao STJ, ministro Rogerio Schietti Cruz, lembrou que a Sexta Turma, em 2020, deu nova interpretação ao artigo 226 do CPP, superando o entendimento de que o dispositivo seria “mera recomendação” e, como tal, seu descumprimento não causaria nulidade no processo.

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O ministro mencionou também que o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou teses no mesmo sentido e, mais tarde, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Resolução 484/2022, com o objetivo de minimizar erros judiciários decorrentes de reconhecimentos equivocados.

Ainda sobre a interpretação do artigo 226 do CPP, Schietti acrescentou que o STJ avançou no entendimento firmado e definiu que o reconhecimento pessoal, mesmo que seja válido, “não tem força probante absoluta, de sorte que não pode induzir, por si só, à certeza da autoria delitiva”.

O ministro destacou o fato de que o réu, no caso analisado, nem sequer era suspeito do crime, tendo ido à delegacia apenas para acompanhar seu pai, que havia sido preso – o que seria improvável caso ele tivesse realmente participado do roubo. Para o relator, admitir a sua condenação significaria aceitar que, “toda vez que algum dublê – por exemplo, um estagiário do fórum ou da delegacia – fosse reconhecido por engano ao preencher o alinhamento de pessoas – acontecimento corriqueiro na praxe forense –, isso bastaria para a sua condenação”.

Condenação é ilegal pois se baseou apenas no reconhecimento duvidoso

Além de apontar a “pouca confiabilidade” de um reconhecimento isolado, Schietti observou irregularidades no ato – por exemplo, não pode haver procedimento único para mais de um suspeito – e a existência de testemunhas que afirmaram que o acusado estava trabalhando no momento do crime.

Outra circunstância favorável ao réu é que ele foi reconhecido como sendo o criminoso que, na filmagem, aparece o tempo todo com o rosto parcialmente coberto, ao mesmo tempo em que um laudo técnico da defesa indicou que as suas características físicas não combinam com nenhum dos três autores do roubo.

“Esses fatores, somados, fragilizam a única prova usada para condenar o paciente, e ainda suscitam razoáveis dúvidas quanto à sua alegada participação no delito, de sorte a atrair a incidência do princípio da presunção de inocência”, declarou o ministro.

Por fim, Schietti ressaltou que uma condenação não pode ser decorrente de mera convicção íntima do juiz, “ou mesmo de uma convicção apoiada em prova que, confrontada por evidências contrárias, suscite razoável dúvida quanto à narrativa acusatória, sob pena de inversão do ônus da prova”.

Fonte: STJ

Do Estatuto do Estrangeiro à Lei de Migração, a evolução da jurisprudência do STJ sobre expulsão de estrangeiros

A existência de prole brasileira com dependência econômica e relação socioafetiva é um dos motivos que podem impedir a expulsão do estrangeiro condenado criminalmente no país.

Prevista no artigo 54 da Lei de Migração (Lei 13.445/2017), a expulsão é a medida administrativa de retirada compulsória de migrante ou visitante do território nacional, conjugada com o impedimento de reingresso por prazo determinado.

Nas palavras do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Og Fernandes, ao julgar o HC 452.975, trata-se de um “ato discricionário praticado pelo Poder Executivo, ao qual incumbe a análise de conveniência, necessidade, utilidade e oportunidade da permanência de estrangeiro que cometa crime em território nacional, caracterizando verdadeiro poder inerente à soberania do Estado”.

Contudo, o magistrado acrescentou no mesmo voto que a matéria poderá ser submetida à apreciação do Poder Judiciário, o qual se limitará a examinar o cumprimento formal dos requisitos e a inexistência de entraves à expulsão.

O motivo que pode levar à adoção da medida é a condenação, com sentença transitada em julgado, por alguns crimes previstos no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional ou por crime comum doloso, passível de pena privativa de liberdade, previsto na legislação brasileira – consideradas a gravidade do fato e as possibilidades de ressocialização em território nacional.

Levantamento do Ministério da Justiça e Segurança Pública indica que o crime mais frequente – responsável por mais de 90% das expulsões de estrangeiros – é o tráfico internacional de drogas, seguido de furto e roubo. Ainda de acordo com a pasta, nos últimos dez anos, foram decretadas 7.382 expulsões, sendo 684 apenas em 2022.

Proteção à família é observada nas hipóteses que impedem a expulsão

Até 2017, as regras de expulsão eram previstas no Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/1980), segundo o qual a medida seria aplicada a quem atentasse contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a tranquilidade ou a moralidade pública e a economia popular, ou que se mostrasse de alguma forma inconveniente ou nocivo aos interesses nacionais.

A revogação do estatuto e a sua substituição pela Lei de Migração decorreram da necessidade de ajustar o tratamento do tema aos preceitos constitucionais.

No julgamento do HC 285.608, por exemplo, o ministro Herman Benjamin explicou que as excludentes da expulsão previstas no regramento atual “têm por finalidade resguardar a família, base da sociedade, instituição em relação à qual o Estado deve conferir especial proteção (artigo 226 da Constituição Federal de 1988)”. Para ele, o normativo “busca evitar a retirada compulsória de estrangeiro do território nacional em detrimento dos vínculos afetivos e da dependência econômica do núcleo familiar”.

Nesse sentido, a Lei de Migração estabeleceu, no artigo 55, que não será expulso o estrangeiro que tiver filho brasileiro sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva, nem o que tiver cônjuge ou companheiro residente no Brasil.

Jurisprudência protege o direito constitucional de preservação da família

A atualização legislativa definiu, no artigo 54, parágrafo 3º, que a expulsão em caso de crime comum não prejudicará a progressão de regime, o cumprimento da pena, a suspensão condicional do processo, a comutação da pena ou a concessão de pena alternativa, de indulto coletivo ou individual, de anistia ou de quaisquer benefícios concedidos em igualdade de condições ao nacional brasileiro.

Além de discussões relacionadas à progressão do regime, a seleção de julgados apresentada a seguir mostra o posicionamento do STJ diante de temas como o direito constitucional de preservação da família e a possibilidade de expulsão de estrangeiro refugiado.

Os casos analisados ainda confirmam alguns dos dados apresentados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, ou seja, a maioria dos pedidos de expulsão se relaciona à prática de delitos de tráfico de drogas, sendo que o principal argumento para o pedido de permanência é a existência de família no Brasil.

Filho nascido após portaria de expulsão assegura permanência de estrangeiro

As hipóteses do artigo 55 da Lei de Migração – circunstâncias que impedem a expulsão – não precisam ser contemporâneas ao fato que motivaria a medida. Assim, um estrangeiro que resida no Brasil não pode ser expulso caso preencha algum dos requisitos desse dispositivo legal só após os fatos que levaram o governo a editar a portaria de expulsão.

Baseada nesse entendimento, a Primeira Seção do STJ concedeu habeas corpus (HC 452.975) a um cidadão da Tanzânia para invalidar a portaria que determinou sua expulsão do Brasil, em razão de ter sido condenado a sete anos de prisão e multa por tráfico de drogas.

O ministro Og Fernandes – relator – disse ter sido comprovado no processo que o tanzaniano tinha filho brasileiro sob a sua guarda, havendo dependência econômica e socioafetiva. Ele também destacou que, de acordo com a Lei 13.445/2017, um estrangeiro nessas condições não pode ser expulso.

“Muito embora a portaria de expulsão tenha sido editada em 21 de junho de 2017, anteriormente, portanto, à formação de família no Brasil, o certo é que não se pode exigir para a configuração das hipóteses legais de inexpulsabilidade a contemporaneidade dessas mesmas causas em relação aos fatos que deram ensejo ao ato expulsório”, explicou o ministro.

Estrangeiro condenado deve comprovar dependência dos filhos

A Primeira Seção entendeu que é necessária a efetiva comprovação, no momento da impetração de habeas corpus, da dependência econômica e da convivência socioafetiva com a prole brasileira para evitar a expulsão do estrangeiro. Assim, o colegiado negou o pedido de uma uruguaia que teve a expulsão determinada em razão de condenação por tráfico (HC 250.026).

A defesa apontou que ela já teria uma filha brasileira antes mesmo de sua prisão em flagrante e que estaria ajudando a sustentar outra filha, solteira, e o filho desta, seu neto – o qual nasceu posteriormente.

De acordo com o relator, ministro Benedito Gonçalves, a jurisprudência do STJ flexibilizou a interpretação quanto à expulsão prevista na Lei 6.815/1980 – em vigor na época do julgamento do caso –, para manter no país o estrangeiro com filho brasileiro, mesmo que nascido após a condenação penal e o decreto expulsório, no intuito de tutelar a família, a criança e o adolescente.

“Todavia, o acolhimento desse preceito não é absoluto e impõe ao impetrante que efetivamente comprove, no momento da impetração, a dependência econômica e a convivência socioafetiva com a prole brasileira, a fim de que o melhor interesse do menor seja atendido”, ponderou.

O ministro ainda observou que os documentos juntados não demonstraram a dependência afetiva e financeira da filha e do neto, situação que afasta as hipóteses capazes de impedir a expulsão.

Decreto de expulsão não impede progressão de regime no Brasil

Em 2014, ao julgar o HC 274.249, a Sexta Turma reafirmou o entendimento da corte de que é irrelevante, na análise do pedido de progressão do regime de cumprimento da pena, a existência de decreto de expulsão contra o estrangeiro.

Na origem do caso, uma mulher foi condenada a sete anos de reclusão por tráfico de drogas, em regime fechado, tendo o juízo da execução indeferido o pedido de progressão ao regime semiaberto por se tratar de estrangeira em situação irregular no Brasil e com decreto de expulsão pendente.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) negou provimento a agravo em execução por entender, entre outras razões, que ela não preenchia os requisitos para reanálise do regime, pois estaria formalmente impedida de exercer atividade profissional.

A relatora, então desembargadora convocada Marilza Maynard, lembrou que o STJ pacificou o entendimento de que o simples fato de o estrangeiro estar em situação irregular no país não inviabiliza os benefícios da execução penal.

Progressão de regime e livramento condicional são formas de cumprir pena

Ao citar precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e da Sexta Turma do STJ, a relatora destacou o HC 186.490, no qual a ministra Maria Thereza de Assis Moura observou que, a despeito de a expulsão do estrangeiro infrator ter deixado de ser uma espécie de sanção penal, a matéria não se afastou do terreno penal, condicionando-se, na maioria das vezes, ao cumprimento total da pena.

“Entretanto, referida condição, a meu ver, não implica sua permanência em regime integralmente fechado. Até porque a progressão de regime e o livramento condicional são formas de cumprimento da pena”, afirmou a ministra.

A Quinta Turma também reverteu decisão do TJSP sobre o mesmo tema, no julgamento do HC 324.231, de relatoria do ministro Reynaldo Soares da Fonseca. A corte estadual havia restabelecido o regime fechado para uma estrangeira por vislumbrar na progressão a frustração de um possível decreto de expulsão, que poderia ser publicado a qualquer momento.

Declaração de mãe demonstra dependência entre filho e pai estrangeiro

Ao julgar o HC 666.247, a Primeira Seção entendeu que uma declaração fornecida pela mãe, afirmando a existência de relação socioafetiva entre pai e filho, possui a juridicidade necessária para evitar a expulsão do genitor estrangeiro do Brasil.

O entendimento levou o colegiado a revogar portaria do Ministério da Justiça e Segurança Pública, publicada em janeiro de 2018, que determinou a expulsão de um nigeriano condenado a cinco anos, em regime fechado, por tráfico de drogas.

A expulsão seria executada ao final do cumprimento da pena, mas a mãe entrou com o pedido de habeas corpus em nome do filho, com cinco anos à época, para impedir que o pai fosse enviado de volta ao seu país de origem.

Segundo o relator, ministro Sérgio Kukina, a única prova no processo demonstrando o vínculo entre pai e filho era a declaração da mãe, segundo a qual o nigeriano sempre deu apoio afetivo e material à criança.

Para Kukina, a declaração, por si só, não atesta que o requisito da dependência econômica esteja preenchido, diante da falta de outros elementos probatórios mínimos capazes de demonstrar a forma como o estrangeiro teria dado assistência material ao filho, levando-se em conta seu encarceramento há mais de três anos.

Entretanto, o relator observou que exigir outros meios para confirmar o vínculo socioafetivo seria praticamente impor ao preso a produção de uma prova impossível.

“Tenho que a declaração fornecida pela mãe no sentido de que remanesce viva a relação socioafetiva entre pai e filho reveste-se da necessária juridicidade para comprovação de tal requisito legal”, concluiu o ministro.

Filho nascido no Brasil, por si só, não impede a expulsão

A simples existência de prole brasileira não garante a permanência do estrangeiro no território nacional. Essa foi a posição da Primeira Seção em julgamento de habeas corpus impetrado em favor de um estrangeiro expulso do país após condenação por tráfico.

De acordo com o processo, após o cumprimento da pena, o estrangeiro, natural da República de Camarões, foi submetido a processo administrativo que culminou na decisão de expulsão. No HC 418.116, a defesa informou que ele tinha uma filha no Brasil e apresentou certidão de nascimento da criança, declaração da mãe e comprovantes de depósitos bancários.

O relator, ministro Og Fernandes, entendeu que a documentação não era suficiente para comprovar a convivência entre o estrangeiro e sua filha, nem mesmo a alegada dependência econômica, pois os documentos bancários apontavam o nome do então companheiro da mãe da criança como beneficiário. Para o ministro, essa circunstância era insuficiente para comprovar que os valores tivessem sido efetivamente repassados à menor.

“Não se mostra crível a demonstração de dependência econômica através de quatro comprovantes de depósitos, sendo estes realizados em data posterior ao cumprimento do mandado de liberdade vigiada para fins de expulsão”, declarou o relator.

Ao negar o habeas corpus, Og Fernandes considerou, ainda, o depoimento do estrangeiro, no qual declarou que não via a filha há seis anos e que também não a ajudava financeiramente.

Mantida expulsão determinada no período de vacatio legis da Lei de Migração

Ao analisar o HC 608.035, a Primeira Seção manteve a expulsão de um cidadão franco-marroquino determinada em agosto de 2017, quando o Estatuto do Estrangeiro já havia sido revogado e a Lei de Migração, que o substituiu, ainda estava no período de vacatio legis.

Segundo o colegiado, a portaria expulsória baixada pelo ministro da Justiça aplicou corretamente a nova lei, pois não foi comprovada a dependência econômica e a convivência socioafetiva entre o estrangeiro e sua filha, que nasceu após a prática do crime.

Na origem do caso, o estrangeiro teve a condenação por tráfico transnacional de entorpecentes transitada em julgado. Cumprida a pena, a medida de expulsão foi aplicada, a despeito de haver uma filha menor, brasileira nata, que supostamente – nas alegações da defesa – dependeria econômica e afetivamente do pai.

O relator, ministro Herman Benjamin, destacou que, além da edição da nova Lei de Migração, ocorreu alteração de entendimento do STF, o qual passou a considerar irrelevante a data da concepção de filhos brasileiros como fator exclusivo de impedimento à expulsão, desde que provadas a dependência econômica e a convivência socioafetiva entre o estrangeiro e sua prole (RE 608.898).

Superveniência da Lei de Migração não altera decisão sobre expulsão

Para o ministro, entretanto, esses requisitos não foram demonstrados, trazendo duas consequências ao caso: a primeira é que o comando do STF não teve o efeito pretendido pela defesa de anular a expulsão e conceder um salvo-conduto ao estrangeiro para voltar ao Brasil; a segunda é que a superveniência da Lei de Migração não implica, por si só, a modificação do ato impugnado, pois este foi praticado em consonância com os seus preceitos.

“Não houve neste processo, portanto, prova bastante de nenhuma das causas restritivas à medida de expulsão, e sim elementos de prova a demonstrar que o fato de a filha do paciente ter nascido posteriormente ao evento criminoso (que gerou a expulsão) não se revelou como a causa determinante e decisiva para a medida aplicada, mas como a ausência de comprovação da dependência econômica e socioafetiva entre o paciente e a prole brasileira”, avaliou o relator.

Reunião familiar não impede multa por extrapolação de prazo para permanecer no país

Em abril de 2020, a Segunda Turma decidiu que o instituto da reunião familiar, embora impeça a expulsão do estrangeiro irregular com filhos brasileiros, não veda a aplicação da multa por extrapolação do prazo legal de permanência provisória no país.

O entendimento foi firmado no julgamento do REsp 1.570.388, em que o colegiado analisou a situação de um imigrante portador de registro provisório para permanecer no Brasil.

Na origem, a ação discutia a regularidade de multa por permanência no país além do prazo legal, seguido de determinação para saída do território nacional. Ao analisar o caso, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) apontou que a situação não tratava de expulsão, e sim de deportação proveniente de estada irregular em solo brasileiro, sendo aplicáveis ao julgamento as hipóteses de vedação à expulsão (casamento e filho).

Ao STJ, a União alegou que os autos demonstraram a intempestividade do comparecimento do estrangeiro à Polícia Federal para regularizar sua situação.

O relator, ministro Og Fernandes, destacou que, segundo a Lei 11.961/2009, a conversão do registro provisório em permanente deve ser feita 90 dias antes do vencimento da carteira de identidade do estrangeiro. Porém, ele ponderou que não houve irregularidade na permanência do investigado, pois o documento foi expedido em outubro de 2010, com validade de dois anos, e a notificação para multa e expulsão era de março de 2012.

De acordo com o ministro, o direito de reagrupamento familiar garante que o estrangeiro com família nacional não seja expulso, considerando-se as graves consequências psicossociais aos envolvidos no caso de distanciamento. No entanto – continuou Og Fernandes –, esse direito não inclui a dispensa da sanção pecuniária por irregularidades migratórias.

“A aplicação da multa administrativa em nada pode interferir na permanência do estrangeiro, ainda que irregular, com os membros de sua família em território nacional, nem implicar dificuldades de qualquer espécie para o processo de regularização”, declarou o relator.

Perda da condição de refugiado é requisito para a expulsão de estrangeiro

No julgamento do HC 333.902, a Primeira Seção definiu que a expulsão de estrangeiro refugiado não pode ocorrer sem a regular perda dessa condição em prévio processo administrativo. Para o colegiado, apenas a publicação de portaria aplicando a medida é nula, ainda que o ato tenha seus efeitos suspensos para ser convalidado posteriormente.

O pedido que deu origem ao entendimento foi feito pela Defensoria Pública da União (DPU) em favor de um cidadão do Burundi. Ele foi condenado pelo crime de tráfico internacional de drogas e, um ano depois, o ministro da Justiça determinou sua expulsão, ficando a efetivação da medida condicionada ao cumprimento da pena no Brasil ou à liberação pelo Poder Judiciário.

O estrangeiro, no entanto, já era reconhecido como refugiado pelo Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), devido a conflitos em seu país, e mantinha essa condição até a impetração do habeas corpus.

Dignidade da pessoa humana deve nortear decisões referentes a refugiados

O relator, ministro Humberto Martins, destacou que tanto a Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados quanto a Lei 9.474/1997 preveem a expulsão de refugiados por motivos de ordem pública, não cabendo ao Judiciário avaliar a pertinência da caracterização da condenação do paciente como motivo de ordem pública suficiente para justificar a medida.

“É de se ver, entretanto, que o conjunto de normas que tratam da matéria impõe alguns cuidados adicionais ao Executivo. O primeiro é o relativo à impossibilidade de que seja o paciente devolvido ao local onde sua vida, sua liberdade ou sua dignidade correm riscos”, alertou.

De acordo com Humberto Martins, essa limitação tem amparo não apenas na convenção e na lei citada, mas na própria Constituição Federal, que elege a dignidade da pessoa humana como fundamento da República e dispõe que, em suas relações internacionais, o Brasil deverá se reger pela prevalência dos direitos humanos.

STJ não deve julgar ato de expulsão praticado por coordenador de processos migratórios

A Primeira Seção entendeu que o STJ não tem competência para analisar habeas corpus contra ato de expulsão praticado pelo coordenador de processos migratórios do Ministério da Justiça. A posição foi firmada em 2022, quando o colegiado negou provimento a agravo interno no HC 692.415.

No caso analisado, a defesa de uma colombiana condenada por tráfico privilegiado impetrou habeas corpus para invalidar a portaria que determinava sua expulsão do Brasil.

Para a relatora, ministra Assusete Magalhães, o STJ seria a corte adequada para julgar o processo caso a autoridade coatora fosse o ministro da Justiça. Nesse sentido, ela reiterou parecer do Ministério Público Federal (MPF) destacando que, na época da publicação impugnada, já vigorava a Portaria 432/2019 da Secretaria Nacional de Justiça, responsável por subdelegar ao coordenador de processos migratórios a prática do ato expulsório.

A ministra explicou que é possível a aplicação da Súmula 510/STF, segundo a qual, “praticado o ato por autoridade, no exercício de competência delegada, contra ela cabe o mandado de segurança ou a medida judicial”.

“Assim, reconhecida a ilegitimidade passiva da autoridade impetrada, o Superior Tribunal de Justiça não possui competência para processar e julgar o presente habeas corpus, conforme previsto no artigo 105, I, “c”, da Constituição Federal“, concluiu a relatora.

Ministro Raul Araújo vota pelo uso da Selic na correção de dívidas civis; julgamento é suspenso novamente

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) voltou a analisar, na sessão do último dia 7, a possibilidade de utilização da taxa Selic para a correção de dívidas civis, em contraponto ao modelo de correção monetária acrescida de juros de mora. O ministro Raul Araújo apresentou voto-vista em que defende a aplicação da Selic.

Em março, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, votou a favor de um modelo composto pela atualização monetária da dívida acrescida de juros moratórios mensais. Após o voto-vista divergente, ele pediu vista regimental do processo.

Ele destacou que o Código Civil – elaborado após intensas discussões sobre o assunto – não exige uma aplicação distinta de juros de mora e de correção monetária: “O Código Civil de 2002 confere um tratamento muito próximo para os juros de mora e a correção monetária, a ponto de praticamente reuni-los de forma um tanto indistinta, chegando quase a confundi-los”.

Evolução da política econômica ao longo das décadas

O ministro comentou que os dispositivos do Código Civil decorrem de uma opção consciente do legislador, que buscou acompanhar e se harmonizar com as escolhas de política econômica do país ao longo de décadas.

Raul Araújo apresentou um histórico do panorama econômico desde a edição do Código Tributário Nacional, em 1964, passando pela criação da Selic, em 1979, pelo Plano Real, de 1994, até o atual Código Civil. Para ele, a Selic é o reflexo de uma economia estabilizada, após décadas de combate à inflação.

“A taxa Selic, no sistema de remuneração de capitais, trouxe significativa mudança no sistema financeiro nacional, impondo uma nova cultura mais hígida para a economia, justamente porque ela une a correção monetária e os juros, medida plenamente viável numa economia estabilizada, como sucede na maioria dos países que servem de modelo”, explicou.

Selic representa principal indexador da economia nacional

A regra autônoma de correção prevista no CTN, comentou o magistrado, foi pioneira para a época de hiperinflação, mas não encontra mais justificativa na realidade após a estabilização da moeda em 1994.

“O Judiciário brasileiro não pode ficar desatento aos cuidados com uma economia estabilizada a duras penas, insistindo em prestigiar as concepções do sistema antigo de correção monetária acrescida de juros, que era um sistema justificável para uma economia de elevadas espirais inflacionárias, o que já não é mais o caso do Brasil”, concluiu.

Raul Araújo citou mudanças legislativas, a exemplo da Emenda Constitucional 113/2021, que estabeleceram a Selic como única taxa em vigor para a atualização monetária e a compensação da mora nas demandas que envolvem a Fazenda Pública. Para o ministro, a Selic é hoje o indexador que rege o sistema financeiro brasileiro, e não há dúvida quanto a ser essa a taxa a que se refere o artigo 406 do Código Civil.

Na sua opinião, as condenações judiciais submetidas a juros de mora de 1% ao mês acrescidos de correção monetária – como no caso do recurso em julgamento – conduzem a uma situação em que o credor civil obtém remuneração muito superior à de qualquer aplicação financeira, pois os bancos são vinculados à Selic. “Vê-se, em tal contexto, uma função punitiva para os juros moratórios sobre o devedor. Ocorre que, para as punições, há as previsões contratuais de multa moratória”, concluiu.

Fonte: STJ

Página de Repetitivos e IACs destaca julgado sobre benefícios do ICMS na base de cálculo do IRPJ e da CSLL

​A Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) atualizou a base de dados de Repetitivos e IACs Anotados. Foram incluídas informações a respeito dos julgamentos dos Recursos Especiais 1.945.110 e 1.987.158, classificados no ramo do direito tributário, no assunto Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e Imposto de Renda (IR).

Os acórdãos estabelecem a impossibilidade de exclusão de benefícios fiscais relacionados ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) – como redução de base de cálculo, redução de alíquota, diferimento, entre outros – das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, salvo quando atendidos requisitos previstos em lei (artigo 10 da Lei Complementar 160/2017 e artigo 30 da Lei 12.973/2014).

Plataforma

A página de Precedentes Qualificados do STJ traz informações atualizadas relacionadas à tramitação – como afetação, desafetação e suspensão de processos –, permitindo pesquisas sobre recursos repetitivoscontrovérsiasincidentes de assunção de competênciasuspensões em incidente de resolução de demandas repetitivas pedidos de uniformização de interpretação de lei, por palavras-chaves e vários outros critérios.

A página de Repetitivos e IACs Anotados disponibiliza os acórdãos já publicados (acórdãos dos recursos especiais julgados no tribunal sob o rito dos artigos 1.036 a 1.041 e do artigo 947 do Código de Processo Civil), organizando-os de acordo com o ramo do direito e por assuntos específicos.

Fonte: STJ

Juiz não pode arbitrar valor de imóvel penhorado com base na regra de experiência

Só se autoriza a utilização do conhecimento técnico ou científico do juiz, com dispensa da perícia, quando o fato se fundar em experiência de aceitação geral. Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que, em processo executório, fixou o valor de um imóvel penhorado com base na regra de experiência, dispensando a perícia técnica.

A execução, promovida contra a Associação Universitária Santa Úrsula, dizia respeito a pouco mais de R$ 325 mil em dívidas oriundas de um contrato de fomento mercantil. No curso dessa execução, sobreveio a penhora de imóvel, o qual foi avaliado por perito em R$ 101,5 milhões.

A associação recorreu, ao argumento de que o bem teria sido avaliado pela Justiça trabalhista em R$ 390 milhões. O TJRJ deu parcial provimento ao recurso e fixou o valor do bem em R$ 150 milhões, montante calculado pela prefeitura. Ao dispensar perícia, o desembargador relator fundamentou a decisão com base no artigo 375 do Código de Processo Civil (CPC) – que autoriza o juiz a se valer das regras da experiência comum para julgar o feito.

Conjunto de juízos que podem ser formulados pelo homem médio

Segundo o relator do recurso no STJ, ministro Moura Ribeiro, as regras da experiência comum, previstas no CPC, designam um conjunto de juízos que podem ser formulados pelo homem médio a partir da observação do que normalmente acontece. O ministro explicou que essas regras exercem diversas funções no processo – por exemplo, auxiliam o juiz a entender e interpretar as alegações e o depoimento das partes, para melhor compreender certas palavras e expressões em ambientes e circunstâncias específicos.

Sob essa perspectiva, ressaltou, também se pode afirmar que elas auxiliam na aplicação de enunciados normativos abertos, informando e esclarecendo conceitos jurídicos indeterminados, bem como “pavimentam a construção do raciocínio lógico e estruturado que põe limites à atividade jurisdicional e permite a prolação de uma decisão verdadeiramente fundamentada”.

No entanto, o ministro alertou que, muito embora constituam um conhecimento próprio do juiz, as regras da experiência não se confundem com o conhecimento pessoal que ele tem a respeito de algum fato concreto.

“O juiz pode valer-se de um conhecimento empírico ou científico que já caiu em domínio público para julgar as causas que se lhe apresentam, porque, em relação a essas questões, não há necessidade de produzir prova. Não está autorizado, porém, a julgar com base no conhecimento pessoal que possui a respeito de algum fato específico, obtido sem o crivo do contraditório”, disse.

Conhecimentos técnicos não universalizados demandam prova específica

O relator lembrou que os conhecimentos técnicos não universalizados demandam prova específica – como adverte a parte final do artigo 375 do CPC. Para Moura Ribeiro, no caso dos autos, não há como afirmar que o valor do bem penhorado, considerando suas dimensões, localização e conformação específica, constitui matéria de conhecimento público.

“Estamos falando, vale lembrar, de um imóvel único, com grandes dimensões, várias edificações distintas, situado numa área muito valorizada da capital fluminense e que, malgrado possa ser adaptado para explorar outras atividades econômicas, encontra-se, atualmente, otimizado para uma finalidade muito específica, de servir a uma universidade”, afirmou.

No entendimento do ministro, o homem médio não tem condições de afirmar se o imóvel em questão vale R$ 101,5 milhões, como indicado pelo perito; R$ 390 milhões, como apurado na Justiça do Trabalho, ou R$ 150 milhões, como afirmado pelo desembargador do TJRJ.

Fonte: STJ

Todos os executados devem ser intimados da nomeação do avaliador de imóvel penhorado

Todos os executados devem ser intimados da nomeação do avaliador de imóvel penhorado

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que todos os executados devem ser intimados do despacho que nomeia o perito avaliador de imóvel penhorado, independentemente de quem seja o proprietário do bem, observando-se os termos do artigo 465, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil (CPC).

Com base nesse entendimento, o colegiado anulou acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) – que avaliou a medida como desnecessária – e restabeleceu a determinação do juízo da execução para intimar todos os executados, reconhecendo ainda a ocorrência de preclusão consumativa sobre a questão, por ter sido objeto de decisão anterior contra a qual não foi interposto recurso.

A origem do caso foi uma ação de execução de título extrajudicial na qual o juiz converteu em penhora o arresto dos imóveis de propriedade de um dos executados e expediu carta precatória para a avaliação dos bens. Após a determinação para que as partes se manifestassem sobre a nomeação do perito avaliador, o exequente apresentou petição alegando a desnecessidade de intimação de todos os executados, mas o pedido foi indeferido. Em reconsideração, entretanto, o magistrado revogou a ordem de intimação dos demais executados.

Por entender que não caberia reconsideração do posicionamento por parte do juízo da execução, o proprietário dos imóveis recorreu ao TJPR, mas a corte estadual manteve a decisão sob o argumento de que a diligência envolvendo todos os executados atrasaria o cumprimento da carta precatória.

Juiz só pode reconsiderar ou alterar decisão nas hipóteses previstas em lei

De acordo com a relatora no STJ, ministra Nancy Andrighi, ocorre preclusão consumativa de determinada questão, na forma dos artigos 505 e 507 do CPC/2015, quando ela já foi expressamente acolhida ou afastada por decisão judicial e os recursos possíveis foram julgados ou não foram interpostos.

Nessa situação – explicou a ministra –, é vedado ao juiz, de ofício ou a requerimento, reconsiderar ou alterar a sua decisão anterior, salvo nas hipóteses previstas em lei. Segundo Nancy Andrighi, o agravo de instrumento seria o recurso adequado para questionar decisão interlocutória proferida em processo de execução, mas ele não foi utilizado.

“Assim, a reconsideração, correção ou acréscimo da decisão anterior, em violação à preclusão consumativa, acarretará a invalidação da alteração realizada pelo novo ato decisório”, observou a ministra.

Manifestação de todos os executados consolida exercício do contraditório

Ao analisar os procedimentos adotados para a avaliação de bem, a relatora destacou que o fato de os imóveis penhorados serem de propriedade de apenas um dos executados não afasta o direito dos demais à intimação do ato processual em questão, pois eles têm interesse na avaliação, que é uma das formas de quitação (integral ou parcial) da dívida com o exequente.

Ainda segundo a relatora, o STJ possui precedente que, embora trate de momento processual anterior, confirma a necessidade de intimação de todos os executados no que diz respeito à penhora, independentemente de quem seja o dono do bem.

Nancy Andrighi acrescentou que a intimação das partes consolida o exercício do contraditório, ao permitir que todos se manifestem sobre eventuais incorreções na nomeação do perito avaliador. Para a relatora, não se pode presumir que o titular do bem avaliado fará todas as alegações que os demais executados fariam, sendo plausível a ocorrência de deficiência técnica, perda de prazo ou mesmo a falta de manifestação por parte do proprietário.

“Logo, todos os executados devem ser intimados do despacho de nomeação do perito avaliador do imóvel penhorado, na forma do artigo 465, parágrafo 1º, do CPC, independentemente de quem seja o proprietário do bem constrito”, concluiu a ministra.

Fonte: STJ