O consumo imprudente de álcool e o estado de embriaguez voluntária não servem de excludente de culpabilidade da pessoa que, de forma imponderada e impulsiva, pratica o crime de injúria racial.
Com esse entendimento, a 13ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a condenação de uma mulher por injúria racial praticado em uma edição da “Virada Cultural”, enquanto estava bêbada.
Ela foi processada porque ofendeu um segurança quando foi impedida de pular as grades no local de uma das apresentações. A pena de dois anos em regime aberto foi substituída por prestação de serviços à comunidade por igual prazo.
Na apelação, a defesa pediu a absolvição pela ausência de dolo decorrente do estado de embriaguez. A argumentação foi rejeitada por unanimidade de votos, conforme a posição do relator, desembargador Luís Geraldo Lanfredi.
Ele explicou que tratamento da embriaguez no Código Penal orienta-se pela teoria da actio libera in causa. A culpabilidade do réu passa a existir na medida em que ele se coloca em estado de incapacidade para praticar o ilícito ou sabendo que, nessas condições, poderia praticá-lo.
No caso, a ré colocou-se em estado de intensa embriaguez, a ponto dela não se recordar de suas ações, e foi essa situação que lhe moveu a desrespeitar as regras do evento em que estava.
“Considerando a progressão de condutas antissociais proporcionadas pela apelante, resta evidenciado o caráter imprudente de seu consumo de álcool e, portanto, o estado de embriaguez voluntária, o qual não constitui excludente de culpabilidade jurídico-penal”, concluiu.
O acordo de colaboração premiada pode prever que a pena privativa de liberdade do acusado seja executada logo após sua homologação pelo juízo. Nesse caso, não será necessário aguardar a sentença ou o trânsito em julgado da ação penal.
A conclusão é da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, que, por 7 a votos a 6, negou recurso da defesa de um empresário que firmou acordo de colaboração premiada e concordou em cumprir 15 anos de pena em condições francamente favoráveis.
Uma das cláusulas do acordo fixou que a pena seria cumprida “imediatamente após a homologação do acordo” e de forma progressiva.
Para a defesa, feita pelo advogado Edward Rocha de Carvalho, a medida fere o princípio do processo legal, a presunção de inocência e a necessidade do processo penal.
O tema dividiu o colegiado. Venceu a posição do relator, ministro Raul Araújo, para quem o cumprimento da pena de forma imediata é possível por se tratar mera condição do acordo com o qual o colaborador concordou.
Formaram a maioria de sete votos com ele os ministros Herman Benjamin, Og Fernandes, Isabel Gallotti, João Otávio de Noronha, Ricardo Villas Bôas Cueva e Sérgio Kukina.
A divergência foi inaugurada pelo ministro Mauro Campbell, que defendeu a necessidade de aguardar o trânsito em julgado da ação penal para o cumprimento da pena. Votaram com ele Nancy Andrighi, Humberto Martins, Luis Felipe Salomão, Benedito Gonçalves e Antonio Carlos Ferreira.
É pena? A insurgência da defesa se deu após a homologação do acordo, quando o ministro Raul Araújo determinou o início do cumprimento da pena. Ela foi fixada no acordo mediante sanções atípicas, não previstas expressamente em leis, mas passíveis em acordo, conforme a própria Corte Especial.
No primeiro ano, o réu estará no regime semiaberto diferenciado: preso em casa das 20h às 6h durante a semana e o dia todo nos feriados e finais de semana.
Nos 18 meses seguintes, cumprirá regime aberto diferenciado, ainda em prisão domiciliar, com recolhimento integral apenas aos finais de semana e feriado.
E nos 12 anos e 6 meses seguintes, deverá apenas informar semestralmente seu endereço e contato, além de fornecer relatório sobre suas atividades.
Para Raul Araújo, esse tema não pode ser abordado sob os aspectos do Direito Penal clássico, pois envolve um novo modelo de justiça penal negocial, no qual se insere o acordo de colaboração premiada.
Isso porque não há previsão das penalidades como reprimenda estatal. A lei brasileira, por exemplo, não permite que uma pena de 15 anos seja cumprida no regime inicial semiaberto diferenciado. Para punições de mais de oito anos, o regime, em regra, é o fechado.
O descumprimento das condições combinadas, por outro lado, não vai gerar o recrudescimento do regime de pena. Em vez disso, haverá a rescisão do acordo, com o consequente oferecimento da denúncia e instauração da ação penal.
Assim, aplicar o devido processo legal no caso do acordo de colaboração levaria não apenas a alterar o momento do cumprimento da pena, mas alterar o próprio regime fixado.
Que sentença? Para reforçar essa compreensão, Raul Araújo destacou na quarta-feira que o acordo de colaboração premiada não necessariamente vai levar a prolação de uma sentença. É o caso dos autos, em que o colaborador sequer foi denunciado.
O artigo 4º, parágrafo 4º da Lei das Organizações Criminosas, por exemplo, permite que o MP deixe de oferecer denúncia se a proposta de acordo de colaboração referir-se a infração de cuja existência não tenha prévio conhecimento e o colaborador não for líder do grupo.
“Apenas o reconhecimento de que não se trata de pena, mas de condição do acordo sujeito ao controle do juiz responsável pela homologação é capaz de garantir a utilidade prática a colaboração, pois oportunizará aos autores estabelecer benefícios adequados e momento oportuno de execução”, disse.
O ministro Og Fernandes concordou a destacou que o cumprimento antecipado da pena é alternativa que integra domínio da negociação das partes. “Cabe ao Judiciário assegurar que sua pactuação decorre da manifestação de vontade do colaborador”, disse.
Presunção de inocência Para a divergência inaugurada pelo ministro Mauro Campbell, o cumprimento imediato da pena alvo de acordo de colaboração premiada viola a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e causa uma a uma avocação de poder por parte do Ministério Público.
Se o órgão tem permissão de determinar a execução da pena antes da sentença condenatória, ele se transforma em investigador, acusador e julgador, o que não se admite. Seria o mesmo de retirar do Estado-juiz os contornos normativos da sanção penal.
Isso faria com que, na eventual prolação da sentença, o juiz não tivesse o que fazer senão concordar com a situação de que a reprimenda penal já foi cumprida, independentemente do desfecho da ação penal, a qual segue indispensável no caso.
O ministro Campbell destacou ainda que o pacote “anticrime” (Lei 13.964/2019) introduziu a possiblidade de questionar judicialmente acordos de colaboração premiada ou mesmo a decisão de sua homologação, como é o caso dos autos.
Em voto na quarta, o ministro Luis Felipe Salomão destacou que o que se exige para cumprimento da pena é a sentença penal transitada em julgado. Não há qualquer previsão nesse sentido em relação à homologação do acordo de colaboração premiada.
“Aqui, o que está em jogo, no final das contas, é a garantia da jurisdição. Não é só do jurisdicionado. Não posso imaginar um processo penal onde o juiz não tenha o verdadeiro controle da situação. Não me parece que seja possível a homologação substituir o controle judicial que será feito por ocasião da sentença.”
A advocacia previdenciária ganhará um painel exclusivo na próxima terça-feira (28/11), das 14h às 18h, durante a 24ª Conferência Nacional da Advocacia, em Belo Horizonte (MG).
O debate vai abordar diferentes perspectivas dessa área do Direito. Uma delas será a estratégia de atuação previdenciária nos juizados, ministrada pelo juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4) e presidente de honra do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), José Antônio Savaris.
As discussões continuarão com o secretário da Comissão de Direito Previdenciário, Tiago Kidricki, que vai abordar as revisões previdenciárias do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). As perspectivas futuras na Previdência Social serão tema de palestra do integrante do colegiado Theodoro Agostinho.
Já a aposentadoria especial — reforma e pós-reforma — será debatida por Adriane Bramante, presidente do IBDP. O coordenador científico da pós-graduação do Instituto de Estudos Previdenciários (Ieprev), João Batista Lazzari, vai discutir a contribuição em atraso, direito adquirido e regras de transição.
Ainda de acordo com a programação do evento, o presidente da Comissão o de Direito Previdenciário da OAB-MG, Marcos Thadeu de Oliveira e Britto, vai abordar os benefícios por incapacidade; o presidente da seccional do Rio Grande do Sul, Leonardo Lamachia, discorrerá sobre o Projeto de Lei 4830/2020, que permite que os honorários do advogado sejam descontados diretamente do benefício previdenciário recebido pelo cliente em decorrência de processo administrativo.
Para fechar a programação, o diretor tesoureiro-Adjunto da OAB-MG, Marco Antonio Freitas falará sobre o limbo jurídico previdenciário trabalhista.
Os debates serão presididos pela conselheira federal por Santa Catarina e vice-presidente da Comissão Especial de Direito Previdenciário do Conselho Federal, Gisele Kravchychyn. Além dela, está na coordenação do painel a conselheira federal por Rondônia e secretária-adjunta da Comissão Especial de Direito Previdenciário, Julinda da Silva, que fará a relatoria.
A conferência terá como tema “Constituição, Democracia e Liberdades”. Serão 50 painéis com temas variados, especialmente questões atuais do país. O Conselho Federal da OAB estima receber cerca de 400 palestrantes e 20 mil profissionais.
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A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados aprovou projeto que proíbe a importação de cosméticos, cigarros e similares que tenham sido testados em animais. A proibição se estende aos componentes e insumos utilizados na cadeia de produção.
Bruno Ganem defendeu a aprovação do projeto – Renato Araújo/Câmara dos Deputados
Trata-se do Projeto de Lei 4033/21, do deputado Célio Studart (PSD-CE). Atualmente, os testes em animais são usados para garantir a segurança de produtos destinados ao consumo humano.
O parecer do relator da proposta, deputado Bruno Ganem (Podemos-SP), foi favorável à proposta. “Já existem métodos alternativos extremamente seguros. Não existe justificativa legal, ética e moral para que se prossigam os testes em animais”, disse Ganem.
Tramitação O PL 4033/21 será analisado agora, em caráter conclusivo, pelas comissões de Desenvolvimento Econômico; Indústria, Comércio e Serviços; e Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ).
A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados aprovou projeto que proíbe a importação de cosméticos, cigarros e similares que tenham sido testados em animais. A proibição se estende aos componentes e insumos utilizados na cadeia de produção.
Bruno Ganem defendeu a aprovação do projeto – Renato Araújo/Câmara dos Deputados
Trata-se do Projeto de Lei 4033/21, do deputado Célio Studart (PSD-CE). Atualmente, os testes em animais são usados para garantir a segurança de produtos destinados ao consumo humano.
O parecer do relator da proposta, deputado Bruno Ganem (Podemos-SP), foi favorável à proposta. “Já existem métodos alternativos extremamente seguros. Não existe justificativa legal, ética e moral para que se prossigam os testes em animais”, disse Ganem.
Tramitação O PL 4033/21 será analisado agora, em caráter conclusivo, pelas comissões de Desenvolvimento Econômico; Indústria, Comércio e Serviços; e Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ).
O ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu nesta quarta-feira (22) anular uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que reconheceu vínculo de emprego entre um entregador e a empresa de entregas Rappi.
Na decisão, Zanin entendeu que a decisão da Justiça trabalhista descumpriu a jurisprudência do Supremo ao reconhecer vínculo empregatício entre motoristas e motociclistas com empresas que operam aplicativos.
“Ao reconhecer o vínculo de emprego, a Justiça do Trabalho desconsiderou os aspectos jurídicos relacionados à questão, em especial os precedentes do Supremo Tribunal Federal que consagram a liberdade econômica e de organização das atividades produtivas”, escreveu Zanin.
Em outras decisões recentes, o STF também derrubou decisões que reconheceram vínculo de emprego entre um motorista de aplicativo e a plataforma Cabify.
Em pelo menos dois casos julgados, o ministro Alexandre de Moraes decidiu que a relação entre o motorista e a empresa é comercial e se assemelha aos casos de transportadores autônomos.
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que a determinação de emenda à petição inicial para simples retificação do valor atribuído à causa não afasta a aplicação do artigo 240, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil (CPC), segundo o qual a interrupção da prescrição pelo despacho que ordena a citação retroage à data do ajuizamento da ação. Nessas situações de ajuste da inicial, apontou o colegiado, não há configuração de desídia da parte a ponto de se limitar a interrupção da prescrição à data da emenda à petição.
O entendimento foi estabelecido pelo colegiado ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO) que, em análise de exceção de pré-executividade, considerou prescrita uma execução de título extrajudicial porque o prazo de prescrição só teria sido interrompido na data da emenda à petição inicial.
O contrato particular que originou a execução venceu em 12 de fevereiro de 2015, mas a execução só foi ajuizada em 12 de fevereiro de 2020, tendo havido emenda à petição inicial para correção do valor da causa no dia 17 do mesmo mês. Considerando o prazo de cinco anos (artigo 206, parágrafo 5º, inciso I, do Código Civil) e a sua interrupção somente na data da emenda à inicial, o TJTO entendeu que estava caracterizada a prescrição.
Interrupção retroativa busca proteger parte que ajuíza ação dentro do prazo
A ministra Nancy Andrighi comentou que o propósito do artigo 240, parágrafo 1º, do CPC é não prejudicar a parte que ingressou com a ação dentro do prazo prescricional, mesmo que, posteriormente, tenha havido o vencimento do prazo em razão da demora do Judiciário em dar continuidade ao trâmite processual ou de conduta maliciosa da outra parte ao se ocultar para não ser citada.
Por outro lado, a relatora fez distinção entre a situação dos autos e outros precedentes do STJ (a exemplo do AREsp 2.235.620) no sentido de que, caso a petição inicial esteja em flagrante desacordo com o artigo 319 do CPC, a parte autora não pode se beneficiar da retroação da prescrição à data do ajuizamento da demanda, tendo em vista que o despacho que manda o réu ser citado, nessas hipóteses, só pode ser proferido após a emenda da inicial.
No mesmo sentido, ponderou a ministra: “Do mesmo modo, deve-se considerar desidiosa a conduta da parte autora ao protocolar petição inicial na qual é impossível identificar os fatos, fundamentos jurídicos, pedidos e especificações, ou quando ausente o juízo ao qual é dirigida ou o valor da causa. Todavia, tais situações não se confundem com hipóteses de mera retificação de algum de seus elementos”.
No caso dos autos, Nancy Andrighi apontou que, ainda que a execução tenha sido ajuizada no último dia do prazo prescricional, não ficou comprovada a desídia da parte, tendo em vista que a determinação de emenda à inicial foi para simples retificação no valor da causa.
“Logo, não ocorreu a prescrição da pretensão autoral, devendo o processo retomar seu curso no primeiro grau de jurisdição”, concluiu a ministra ao reformar o acórdão do TJTO.
Não é possível aplicar a estabilidade provisória à empregada gestante no regime de trabalho temporário, disciplinado pela Lei 6.019/74.
Esse foi o fundamento adotado pelo ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, do Tribunal Superior do Trabalho, para anular decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1) que reconheceu a garantia de estabilidade de uma trabalhadora gestante, cujo contrato de trabalho era temporário.
A decisão foi provocada por recurso em que a empresa condenada pelo TRT-1 sustenta que a estabilidade provisória da autora não se estende aos trabalhadores contratados por prazo determinado, o que engloba o contrato temporário.
Ao analisar o caso, o ministro lembrou que o TST já havia fixado tese sobre a inaplicabilidade da estabilidade gestante ao regime de trabalho temporário.
Ele argumentou que uma das características dessa modalidade de contratação é a intermediação de mão de obra, em que as empresas de trabalho temporário fornecem a tomadoras de serviço trabalhadores para atender a uma necessidade sazonal, ou substituir funcionários permanentes.
Segundo o ministro, essa característica inviabiliza a estabilidade da gestante, já que essas empresas de trabalho temporário não poderiam arcar com esse ônus, uma vez encerrado o contrato com as empresas tomadoras de serviços.
“Ademais, nem a Constituição Federal, nem a referida lei de regência conferiu às trabalhadoras temporárias direito à estabilidade provisória de emprego em virtude de gravidez, razão pela qual não se justifica o ativismo judiciário criador de direito não previsto em lei, a onerar indevidamente o empregador, em nítida invasão da atividade legislativa”, finalizou.
A empresa foi representada pela advogada Silmara Lino Rodrigues.
Clique aqui para ler a decisão Processo 100771-42.2017.5.01.0032
Aprovadas em março deste ano, durante a 3ª Sessão Ordinária do Conselho Nacional de Justiça, as diretrizes obrigatórias para aplicação do protocolo de perspectiva de gênero no Poder Judiciário têm influenciado casos que vão de decisões societárias a episódios de assédio moral e sexual na Justiça do Trabalho, passando por penas de aposentadoria compulsória a juízes acusados de violência sexual contra advogadas e servidoras de tribunais.
Desde o dia 14 daquele mês, tribunais do país têm de observar uma série de critérios em relação às matérias julgadas. O protocolo estabelece, por exemplo, que não se pode aplicar o Direito igualmente, de forma abstrata, em situações em que há desigualdades estruturais, como as que envolvem violência doméstica, e que, em situações em que há aparente “neutralidade” na influência do gênero, como em indenizações trabalhistas ou inventários, há a necessidade de observar se a mulher está sendo preterida em vários sentidos.
De forma resumida, a resolução norteia os magistrados para que desconhecimentos sociais não influenciem suas sentenças. Questões societárias, de herança, indenizatórias e familiares, diz o protocolo, podem parecer, à primeira vista, alheias às desigualdades de gênero — a prática, todavia, mostra o contrário. Há casos no Direito das Sucessões em que mulheres são preteridas em função de herdeiros homens; na Justiça do Trabalho, existem desigualdades históricas dos salários de homens e mulheres, o que afeta diretamente as indenizações posteriormente reconhecidas; e assim por diante.
Em maio, o CNJ registrou pela primeira vez o uso da Resolução 492 como fundamentação em sentença. No caso, o juiz substituto Marcos Scalercio, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Grande São Paulo e interior paulista), foi condenado à aposentadoria compulsória por causa de uma série de denúncias de assédio e violência sexual contra advogadas e servidoras.
A corregedoria do TRT-2 chegou a abrir duas sindicâncias para apurar a situação, que envolveu dezenas de acusações contra o magistrado, com uma série de prints de conversas expondo seu comportamento. As duas apurações foram arquivadas. O CNJ instaurou, então, procedimento administrativo disciplinar (PAD) para apurar a conduta do juiz. Na manhã de 23 de maio, a relatora da matéria, conselheira Salise Sanchotene, proferiu seu voto e foi seguida de forma unânime pelo plenário do Conselho.
“Em apuração de condutas com conotação sexual, que normalmente acontecem às ocultas, a jurisprudência é firme em conferir especial relevo ao depoimento da vítima. E, portanto, não há como destacar de pronto as mensagens juntadas aos autos pelo simples fato de não terem sido periciadas, pois se a fala da vítima é prestigiada, com mais razões devem ser examinados os documentos juntados que possam comprovar ou ao menos compor o conjunto de indícios da prática do ilícito”, disse Sanchotene.
“É a análise de todo o conjunto probatório que produz a convicção do julgador com a aglutinação das provas documentais e testemunhais arrecadadas, isso tudo em consonância com o nosso protocolo para julgamento com perspectiva de gênero, que afirma que a valoração das provas e identificação dos fatos devem assim considerar o primeiro passo, quando da análise de provas produzidas na fase de instrução, questionar se uma prova faltante poderia de fato ter sido produzida. É o caso, por exemplo, de pessoas que presenciam atos e casos de assédio sexual no ambiente de trabalho, mas que têm medo de perder o emprego se testemunharem. Em um julgamento atento ao gênero, esses questionamentos são essenciais e a palavra da mulher deve ter um peso elevado”.
“Ainda que os dados das violências sejam alarmantes, ainda que a subnotificação dos casos de violência contra a mulher, contra grupos historicamente minorizados, seja também alarmante, nós temos uma sociedade que se nega a enxergar a violência contra a mulher, contra as pessoas negras. Ela não só existe, como é aceita. E temos um sistema de Justiça que é composto por pessoas que não fazem parte, majoritariamente, desses grupos, então nunca foram forçados a direcionar o olhar para esses marcadores sociais”, diz a professora, pesquisadora e advogada Luanda Pires, que atuou no caso julgado pelo CNJ.
“O julgamento tem de se dar de forma que a lei seja aplicada de forma adequada, como determina o ordenamento jurídico, sem os vieses que são naturalmente ainda executados pelas pessoas que compõem a magistratura, o Judiciário e o sistema de Justiça.”
Em termos de fundamentação nos casos de violência doméstica, o ponto da resolução que é mais recorrente é a valoração da palavra da vítima, incluindo situações em que os magistrados decidem pela inversão do ônus da prova, ou seja, fica decidido que cabe à parte acusada provar que não cometeu o ato ilícito. Já havia jurisprudência nesse sentido, mas o protocolo tornou esta perspectiva obrigatória no Judiciário.
Somente no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), há quase uma dezena de precedentes, desde março deste ano, registrando que “em se tratando de violência praticada no âmbito doméstico e familiar, o relato da vítima assume especial relevância, podendo, em consonância com os demais elementos probatórios, amparar decreto condenatório, nos termos da Recomendação nº 128 do CNJ, do Julgamento sob Perspectiva de Gênero, de 15/02/22 e com efeito vinculante da Resolução nº 492 do CNJ, de 17/03/23”.
Violência irrestrita Os casos de violência doméstica, assédio e importunação sexual já têm jurisprudências consolidadas na Justiça, a despeito de certos preconceitos persistirem, segundo as advogadas e especialistas no assunto entrevistadas pela revista eletrôncia Consultor Jurídico. A resolução do CNJ, todavia, jogou luz sobre violências veladas, como a patrimonial e a psicológica, além de suscitar importantes nuances às sentenças, como os estereótipos nos quais as mulheres estão submersas e debates como o da dupla (ou tripla) jornada.
As discussões, após a edição da resolução pelo CNJ, tornaram-se mais frequentes em processos de família, cíveis e, principalmente, trabalhistas. Em agosto, a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (Pará e Amapá) utilizou o protocolo para afastar a justa causa de uma mulher grávida que foi demitida com a alegação de ato de improbidade na empresa em que trabalhava. Além de anular a demissão, o colegiado ainda majorou a indenização pelo fato de a mulher ter sido demitida grávida.
“A imputação indevida de prática de ato de improbidade pela empregada durante seu estado gravídico, a qual ensejou sua demissão por justa causa, configura conduta ilícita praticada pela ré, considerando-se ainda a relevância social da proteção ao nascituro e da maternidade, além da dificuldade de reinserção de mães trabalhadoras no mercado de trabalho em uma comunidade historicamente patriarcal, onde o feminino, por apenas ser feminino, enfrenta vários tipos de discriminações, dentre elas, que somente cabem às mulheres as tarefas de cuidados da família, e que por isso mesmo tais tarefas atrapalham seu desempenho profissional, aplicando-se, ao caso concreto, as diretrizes traçadas no Protocolo Para Julgamento Com Perspectiva de Gênero”, escreveu a desembargadora Nazaré Medeiros Rocha.
Em outro caso nesse sentido, mas de natureza previdenciária, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), por unanimidade, rejeitou apelação do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que tentava anular a aposentadoria concedida a uma trabalhadora rural. Os desembargadores refutaram a argumentação da autarquia de que não havia documentos suficientes da autora para concessão do benefício.
“Nesse contexto, e em consonância com a Resolução 492 do CNJ, DE 17 DE MARÇO DE 2023, que trata sobre o ‘Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero’, cumpre salientar as dificuldades enfrentadas pela mulher residente no interior do Nordeste brasileiro para coligir documentos que comprovem o exercício de atividade rural”, escreveu a desembargadora federal Cibele Benevides Guedes da Fonseca, acompanhada de forma unânime em seu voto.
O ponto de partida do protocolo, diz a advogada Fernanda Perregil, sócia do escritório Donelli, Abreu Sodré e Nicolai Advogados e professora do Insper, é fazer com que as desigualdades não interfiram no andamento do processo. “Há uma preocupação, nas mulheres que buscam o Judiciário, de que não haja revitimização na condução de um processo, na análise do seu direito.”
A advogada atuou em mais de um caso de assédio sexual no ambiente de trabalho em que houve sentença fundamentada na perspectiva de gênero. “Muitas vezes essa vítima não vai ter prova, porque o crime foi cometido de forma clandestina, entre quatro paredes, sem testemunhas, e muitas vezes não existem outros meios de prova. Então o que o juiz ou a juíza pode fazer? Redistribuir o ônus probatório, para que o ônus dessa prova não seja da pessoa assediada.”
Ela cita ainda outros mecanismos que podem ser suscitados para evitar desproporcionalidades e constrangimentos às vítimas, como por exemplo estabelecer audiências separadas para a mulher que relata abuso, assédio ou violência e para o acusado. “Tudo isso é muito importante para que seja de fato construído um processo que consiga absorver o que aconteceu, e proteja a vítima.”
Assinada em 17 de outubro pelo juiz Gilberto Schafer, da Vara Regional Empresarial de Porto Alegre, uma sentença sobre Direito Societário mostrou outra perspectiva da aplicação do protocolo de gênero no Judiciário, com o magistrado reconhecendo sexismo no pedido de um homem para destituir sua ex-cônjuge da sociedade de uma farmácia.
A ação, que corre sob sigilo, tem como pano de fundo outro litígio, de divórcio, em que ficou decidido que a mulher era responsável pela empresa, enquanto o homem ficou responsável por uma outra companhia. Ambos detêm metade das quotas de cada firma.
Segundo o autor, a mulher não tem capacidade de gerir a farmácia. O juiz, entretanto, utilizou os protocolos de perspectiva de gênero brasileiro e mexicano para argumentar contra a proposição do ex-marido e, na sentença, manteve a farmácia sob controle da mulher. O magistrado afirmou que se trata de um “projeto de vida” da mulher, pouco depois de citar especificamente o trecho do protocolo que versa sobre partilha de bens:
“Na partilha dos bens, a ideia preconceituosa e equivocada acerca da divisão sexual do trabalho, na qual homens são sempre os provedores e as mulheres cuidadoras, pode acarretar distorções indesejáveis. Sendo as mulheres ‘incapazes’ de ‘performar’ no mundo dos negócios, durante o desenvolvimento do litígio, muitas vezes pode-se acreditar na impossibilidade de gerir aluguéis, de ter participação nos lucros em sociedades empresariais ou mesmo de administrá-las”.
O magistrado ainda complementou dizendo, em relação à suposta incapacidade de gestão da mulher e às acusações graves feitas pelo seu ex-marido, que “nas questões de gênero e antidiscriminação, com o julgador atento à produção das provas, (o juízo tem de exigir) modelo de constatação e a carga probatória adequados para cada uma das situações, de modo a justamente não reforçar a discriminação e atentar contra a igualdade”.
Para a advogada Maiara Paloschi, da banca Zulmar Neves Advocacia, ainda que já houvesse jurisprudência consolidada sobre perspectiva de gênero em casos de violência, nas questões cíveis (patrimoniais, por exemplo) foi necessária a orientação do protocolo para que a magistratura soubesse se posicionar nesse tipo de litígio.
“A partir dessa resolução do CNJ, vão se iniciar os precedentes, e essa decisão é importante por conta de já ter se tornado um precedente. Nesse caso, pela sentença, é possível dizer que ela merecia permanecer na gestão da farmácia por mérito próprio, não houve favorecimento por ela ser mulher. E o juiz reconhece que o processo foi utilizado como instrumento de opressão.”
Clique aqui para ler o protocolo obrigatório PAD 0006667-60.2022.2.00.0000 Processo 0000593-13.2022.5.08.0001 Processo 5154765-44.2021.8.21.0001 Processo 0000288-09.2019.8.17.3210
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) disponibilizou a 114ª edição do Boletim de Precedentes. Um dos destaques é a afetação do Tema Repetitivo 1.220, pela Primeira Seção, sob relatoria da ministra Assusete Magalhães. A questão submetida a julgamento é definir se o Memorando-Circular Conjunto 21/DIRBEN/PFEINSS configura marco interruptivo do prazo prescricional das demandas de revisão de benefício previdenciário, nos termos do art. 202, VI, do Código Civil.
Além do tema afetado, o boletim traz outras propostas em votação, como a Proposta de Afetação 278, pela Terceira Seção, sob relatoria do desembargador convocado Jesuíno Rissato, que busca definir a possibilidade de agentes da Polícia Federal criarem sites/fóruns de internet para apuração de crimes, de identificação e de localização de pessoas que compartilhem arquivos pedopornográficos.
O Boletim de Precedentes também traz um balanço das controvérsias cadastradas e canceladas no período. Nesta edição, há 14 controvérsias criadas, 1 reinaugurada e outras 3 canceladas.
Fonte: STJ
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