Crime de tortura previsto na Lei 9.455 pode ter agravante do Código Penal para delito contra descendente

Segundo o ministro Ribeiro Dantas, relator, a cumulação da pena de tortura com a agravante do Código Penal não resulta em indevido bis in idem.

​A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é possível aplicar, no crime de tortura previsto pelo artigo 1º, inciso II, da Lei 9.455/1997, a agravante definida pelo Código Penal para os casos de delito cometido contra descendente (artigo 61, inciso II, alínea “e”, do CP), sem que a incidência da agravante configure bis in idem.

Segundo o colegiado, a circunstância agravante deve ser aplicada quando é necessário aumentar a penalidade pelo delito de tortura contra aquele que negligencia o dever moral de apoio mútuo entre familiares.

No caso dos autos, o juízo de primeira instância condenou um homem pelo crime de tortura-castigo (artigo 1°, inciso II, da Lei 9.455/1997) contra a sua filha adolescente, aumentando a pena com base no artigo 61, inciso II, alínea “e”, do Código Penal.

Em segundo grau, contudo, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) excluiu a circunstância agravante por entender que, como a vítima era filha do réu, seriam incompatíveis a cumulação da condenação por tortura-castigo e a incidência da agravante pelo delito cometido contra descendente. Diante da nova pena estabelecida, o TJMG reconheceu a prescrição da pretensão punitiva, o que resultou na extinção da punibilidade do réu.

Ao STJ, o Ministério Público de Minas Gerais alegou que a exclusão da circunstância agravante foi inadequada, uma vez que o caso em questão envolveu crime de tortura cometido pelo réu contra sua própria filha adolescente, o que implicaria lesividade maior do que a prevista na descrição do tipo penal. Além disso, o MP sustentou que a retirada da agravante, ao resultar na extinção da punibilidade, deixou a conduta grave praticada pelo homem sem uma resposta estatal adequada.

Circunstância objetiva não constitui um elemento essencial do tipo penal

O relator do recurso, ministro Ribeiro Dantas, observou que apenas comete o crime de tortura-castigo trazido pela Lei 9.455/1997 o agente que detém outra pessoa sob sua guarda, poder ou autoridade. Segundo o ministro, esse tipo penal se caracteriza como um crime específico, uma vez que requer uma condição especial do agente, ou seja, é um delito que somente pode ser cometido por uma pessoa que tenha a vítima sob sua proteção.

Por outro lado, Ribeiro Dantas destacou que a circunstância agravante do artigo 61, inciso II, alínea “e”, do Código Penal se refere à prática do crime contra descendentes, independentemente de a vítima estar ou não sob guarda, poder ou autoridade do autor do delito.

“Essa circunstância objetiva não constitui um elemento essencial do tipo penal que resultou na condenação do ora recorrido. A finalidade dessa agravante é agravar a pena daqueles que violam o dever legal e moral de apoio mútuo entre parentes. No caso, observa-se uma maior censurabilidade na conduta do réu, uma vez que ele cometera o crime de tortura contra sua própria filha adolescente, o que contraria sua função de garantidor, que impõe o dever de zelar pelo bem-estar e pela proteção da menor”, concluiu ao dar provimento ao recurso do MP e restabelecer a sentença condenatória.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: STJ

Dispensa em massa sem negociação com sindicato é inadmissível, reforça TST

Conforme foi estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal por meio de uma tese de repercussão geral, é imprescindível a participação sindical para a dispensa em massa. Com base nesse entendimento, a 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho proibiu uma construtora de Aracaju de promover demissão coletiva sem negociar previamente com o sindicato da categoria.

Em junho de 2017, a empresa dispensou mais de cem trabalhadores sem negociação prévia com o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada, Portos, Aeroportos, Barragens, Canais, Dutos, Eclusas, Estradas, Ferrovias, Hidrelétricas, Metrôs, Pavimentação e Terraplenagem do Estado de Sergipe (Sintepav-SE).

A situação levou o Ministério Público do Trabalho (MPT) a ajuizar ação civil pública para impedir a dispensa e prevenir futuras medidas semelhantes sem discussão dos critérios e das formas com o sindicato.

A empresa, em sua defesa, sustentou que as dispensas são legalmente permitidas e poderiam ser questionadas individualmente na Justiça pelos trabalhadores envolvidos.

O juízo da 9ª Vara do Trabalho de Aracaju deferiu os pedidos do MPT, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região (SE) afastou as obrigações impostas à empresa. Para a corte regional, o artigo 477-A da CLT, introduzido pela reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), diz que são lícitas as dispensas imotivadas individuais e coletivas, mesmo sem prévia autorização da entidade sindical ou previsão em acordo ou convenção coletiva de trabalho.

Diálogo prévio
Ao examinar o recurso de revista do MPT, o ministro Alberto Balazeiro destacou que, conforme tese de repercussão geral (Tema 638) fixada pelo STF, “a intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores”. Segundo o magistrado, apesar de a dispensa coletiva não estar condicionada à autorização prévia do sindicato, “a existência de um diálogo prévio, leal e efetivo entre o empregador e a categoria é requisito imperativo de validade“.

Além de vedar a dispensa, o colegiado, por unanimidade, impôs multa diária de R$ 10 mil por trabalhador a cada constatação de descumprimento. Com informações da assessoria de imprensa do TST.

Fonte: Consultor Jurídico

Rapaz amarrado com cordas por policiais pede indenização por tortura

A defesa do rapaz amarrado pelos pés e mãos com corda durante uma abordagem policial protocolou pedido de indenização por danos morais de R$ 1 milhão na Justiça paulista, nesta terça-feira (23). A ação pede a condenação do estado de São Paulo pela prática de tortura cometida por policiais militares no exercício da profissão.

“Como um verdadeiro animal, remetendo às imagens degradantes da época da escravatura, o autor foi mantido com seus pés e suas mãos amarrados por mais de três horas, conforme o depoimento da testemunha”, aponta o advogado na ação ajuizada. As agressões contra Robson Rodrigo Francisco começaram após sua recusa em sentar-se, destacou o advogado José Luiz de Oliveira Júnior.

Imagens das câmeras corporais dos policiais militares e do sistema de segurança de um prédio, reunidas e divulgadas pelo G1, revelaram que o então suspeito já estava algemado quando foi amarrado por cordas. Um dos policiais aperta as amarrações, deixando mãos e pés bem juntos, atrás do corpo do rapaz, na altura do quadril.

Com base nas imagens, o advogado reforçou que não houve qualquer agressão por parte de Robson que pudesse desencadear tal conduta dos agentes. “Em razão da violação à sua integridade física e moral, em decorrência de uma abordagem policial excessiva e violenta, baseada em pura tortura ao custodiado, é que o autor propõe a presente”, destaca a ação, que classifica a conduta dos policiais de tratamento desumano e degradante.

A defesa cita ainda a previsão na legislação sobre o direito de Robson em receber tratamento digno mesmo em situação de privação de sua liberdade e o entendimento pela responsabilização do estado nos casos de abuso de autoridade cometido por policiais militares no exercício da profissão.

“Ação é pertinente”

Diretora executiva do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Marina Dias avalia que a ação indenizatória em favor de Robson é pertinente. Ela acrescenta que é indiscutível que houve dano moral e abuso do estado. “A gente precisa cada vez mais entrar com ações indenizatórias sempre que existe uma situação de violência do estado praticada, porque é uma forma de começar a estabelecer a responsabilidade do estado com relação a essas violações e a importância de mudar essa realidade”, disse.

Ela ressalta que, no Brasil, a política de segurança pública está focada no policiamento ostensivo, o que resulta no uso da abordagem policial como instrumento de controle de determinados territórios e determinados corpos, além de uma presença opressiva do estado. Ela chama atenção para a ocorrência de racismo nas abordagens, revelada na pesquisa “Por que eu?”, do IDDD, que mostrou que, a cada dez pessoas abordadas, oito são negras.

“A abordagem tem que acontecer dentro dos limites da Constituição Federal, em respeito à dignidade da pessoa humana. Jamais, mesmo que a pessoa seja resistente, se pode amarrar uma pessoa. Isso é gravíssimo, existem protocolos para o uso da força, e certamente esses protocolos não foram seguidos por esses policiais”, disse Marina Dias, sobre o caso Robson.

Para evitar casos de excesso de uso da força e práticas violentas cometidas por agentes de estado, ela aponta a necessidade de o Ministério Público exercer o seu dever de controle da polícia e o Judiciário fazer o controle constitucional das ações da polícia. Além disso, ela indica uma capacitação da polícia sobre o tema, inclusive com relação a letramento racial.

A Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo informou, em nota, que os policiais envolvidos na ocorrência retornaram às atividades de policiamento ostensivo em agosto de 2023 após período de avaliação psicológica. “O caso em questão foi investigado por meio de Inquérito Policial Militar (IPM) e remetido ao Tribunal de Justiça [Militar] também em agosto”, diz a nota.

Histórico

Em junho do ano passado, o então suspeito foi amarrado pelos pés e mãos com corda por policiais militares durante uma abordagem que resultou em prisão por furto. Robson foi amarrado de forma que não conseguisse ficar em pé nem sentado, após ser encontrado com duas caixas de chocolate, que seriam fruto do crime.

Em outubro do ano passado, em audiência na Justiça paulista, Robson assumiu o furto das duas caixas de chocolate, mas não foi sentenciado. Ele está atualmente em liberdade provisória. Ainda não há data para a próxima audiência, segundo o advogado de defesa.

Em vídeo feito por testemunha na ocasião da prisão, quando o então suspeito foi levado para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), é possível vê-lo no chão, enquanto os policiais estão em pé. Na sequência, o rapaz é arrastado pelo chão por um dos agentes para dentro de uma sala. Depois, Robson é carregado por dois policiais, que o seguram pela corda e pela camiseta. Ainda amarrado, ele é colocado no porta-malas de uma viatura.

No mesmo mês da prisão, o caso já teve desdobramento na Justiça paulista, que o tornou réu, enquanto seis policiais, que estavam afastados das atividades operacionais, ainda passavam por investigação para apurar “eventuais excessos”. Advogados de entidades de direitos humanos ouvidos pela Agência Brasil avaliaram que em nenhum cenário tal conduta dos policiais, durante a prisão de Robson, seria aceitável. As cenas foram comparadas ao período da escravização e barbárie.

Fonte:

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Mantida condenação de construtora que entregou vagas de garagem com metragem menor que a contratada

Na ação, o condomínio apontou que a construtora entregou vagas menores do que a previsão do memorial de incorporação, o que levou à diminuição do valor das unidades imobiliárias.

A Terceira Tuma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, confirmou que a construtora responsável deverá reparar integralmente um condomínio pelos prejuízos causados devido à depreciação de suas unidades imobiliárias a partir das inadequações constatadas nas dimensões das vagas de garagem e nas áreas de circulação entre elas.

Segundo o colegiado, o artigo 500, parágrafo 1º, do Código Civil (CC)não dá ao vendedor de imóvel o direito de abater da indenização devida o equivalente a 5% da metragem prevista no contrato.

O condomínio entrou na Justiça alegando que foram verificados vários vícios construtivos e inadequações relativas ao memorial de incorporação do edifício. Após perícia no local, o juízo de primeiro grau condenou a construtora a pagar R$ 115,5 mil, por entender que as vagas de garagem foram entregues em quantidade inferior, indevidamente localizadas, além de não possuírem as dimensões mínimas necessárias.

O Tribunal de Justiça de São Paulo deu provimento parcial à apelação do condomínio para afastar a tolerância de 5%, prevista em lei municipal, quanto à diferença na metragem das vagas de garagem, e aumentou a reparação para R$ 965,8 mil.

No recuso ao STJ, a construtora alegou que, ao afastar a tolerância de 5% na largura das vagas para fins de fixação do valor da indenização, o tribunal local violou o disposto no artigo 500, parágrafo 1º, do Código Civil.

Indenização deve ser integral, sob pena de permitir o enriquecimento sem causa do vendedor

O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator do recurso, observou que o artigo 500, parágrafo 1º, do CC não pode ser aplicado no caso dos autos. Para ele, é inadequado falar em presunção de que a referência contratual às dimensões das vagas de garagem seria meramente enunciativa.

Segundo o relator, presume-se que a referência às dimensões foi meramente enunciativa quando, em contratos de venda de imóvel com estipulação de preço por extensão ou determinação da respectiva área, a diferença entre o pactuado e aquilo efetivamente entregue ao comprador não passar de um vigésimo da área total enunciada.

Cueva ressaltou que tal regra, todavia, não tem o alcance de conceder ao vendedor do imóvel o direito de abater da indenização devida o equivalente a 5% das dimensões avençadas, uma vez que, verificado o descumprimento do contrato por diferença superior a um vigésimo (5%) da área total enunciada, a indenização daí decorrente deve corresponder à integralidade desta, sob pena de se permitir o enriquecimento sem causa do vendedor.

De acordo com o ministro, admitir a interpretação pretendida pela construtora “seria o mesmo que emprestar proteção injustificada ao descumprimento da obrigação e desprestigiar o princípio da boa-fé contratual”.

Fonte: STJ

Concurso unificado: a novidade do momento

Na semana passada foram abertas as inscrições para o “Concurso Público Nacional Unificado”, que ganhou da imprensa o apelido de “Enem dos concursos”. Como o nome sugere, trata-se de uma seleção única para 6.640 vagas existentes em 21 órgãos federais, com possibilidade de lotação em diversas cidades do país. As provas de conhecimento serão aplicadas simultaneamente em até 180 cidades, em todas as regiões. Trata-se de uma iniciativa inovadora que rompe a tradição de realização de concursos focados em órgãos ou entidades e cargos específicos: a seleção é dividida em oito blocos temáticos e permitirá o acesso a diferentes cargos e carreiras.

Na visão do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, espera-se conseguir ganho de eficiência (a integração permitirá redução de custos), de eficácia (por permitir o provimento conjunto das vagas), de efetividade (a lógica de “blocos temáticos” permite visão sistêmica das capacidades estatais e racionaliza o processo seletivo) e de equidade (permitindo aplicação com maior dispersão no território nacional).

A necessidade de experimentar e buscar inovações no planejamento e realização de concursos públicos foi abordada nesta mesma coluna, há pouco tempo, pelo professor Paulo Modesto, que identificou uma série de problemas:

“[…] ausência de uma política integrada de recursos humanos no planejamento dos concursos; a falta de critérios consistentes para a composição de bancas; a repetição de bancas e entidades organizadoras; o foco excessivamente jurídico na definição dos procedimentos do concurso; a simplificação rasteira das provas; a baixa atenção a aspectos gerenciais e a capacidades necessárias ao cargo ou emprego em disputa; a judicialização excessiva das provas e resultados; a ausência de regulação adequada da relação entre o Poder Público e a entidade organizadora do concurso; o abuso nas taxas de inscrição, sem parâmetros relacionados aos cargos em disputa ou aos custos efetivos de organização das provas; a utilização excessiva de cadastros de reserva e a ausência de previsão de estipulação mínima de cargos para imediato provimento, correlacionado ao número de cargos vagos; a ausência de disciplina sobre direitos ressarcitórios dos candidatos, especialmente em face de cancelamentos de provas e reagendamento de concursos; a disciplina adequada sobre a possibilidade de concursos em formato digital; a previsão de prazos mínimos para inscrição em concursos, para interposição de recursos e para análise de provas realizadas; a baixa valorização da experiência de trabalho dos candidatos e a excessiva valorização do treinamento para a resposta a perguntas objetivas e gerais;  a desatenção com os concursos da área meio; ausência de requisitos objetivos para definição sobre a prorrogação ou não da validade dos concursos, atendidos requisitos de planejamento financeiro e gerencial da própria Administração Pública”.

O inventário de problemas chega a ser desanimador, e a má notícia é que existem outros tantos que frequentemente se renovam. Entretanto, a iniciativa merece atenção em razão de sua potencialidade para produzir resultados positivos.

Inicialmente, a racionalização e convergência do esforço de órgãos e entidades variados é importante. A realização de certames diferentes para cargos assemelhados – na administração federal – poderia trazer não somente mais gastos como também menos racionalidade para objetivar a seleção, com a utilização de parâmetros distintos para cargos que necessitam de competências e habilidades assemelhadas. A possibilidade de escolha de vários cargos em ordem de prioridade, dentro do mesmo bloco temático, também contribui para a racionalidade do processo de ingresso. Aliás, a seleção com base em competências – e não somente em conhecimentos – é um desafio ainda em aberto, cuja dificuldade ganha envergadura em um cenário que demanda descrição de atributos em lei, que devem ter relativa estabilidade. Como descrever competências na lei de forma a não engessar o perfil dos servidores e, ao mesmo tempo, proporcionar atualização e capacitação continuadas continua sendo um problema sem solução definitiva.

Outro problema prático cuja solução pode ser aprimorada por intermédio do concurso unificado é a grande mobilidade em determinadas carreiras, com instabilidade na recomposição do quadro de pessoal em algumas instituições e em alguns locais. Carreiras menos atrativas (sobretudo, em razão da menor retribuição pecuniária) geralmente são objeto de maior rotatividade: candidatos com maior preparo costumam buscar outra posição pública, desfalcando aquela inicial em determinado momento. Os problemas de lotação (relativos ao local da prestação de serviços) também são frequentes, sobretudo em órgãos federais: candidatos que passam a trabalhar longe de sua cidade de origem comumente – e naturalmente – buscam formas de retornar para ‘casa’, seja por meio de movimentação na carreira, seja por meio de aprovação em outros concursos. Esses problemas demandam uma compreensão de carreira que não se limite ao ingresso (no caso, o procedimento do concurso público). Com efeito, há necessidade da criação de mecanismos que estimulem (e mesmo exijam) a permanência em locais de difícil lotação, ao mesmo tempo em que prevejam a atualização contínua da força de trabalho necessário e aquela disponível. A gestão dos diversos cadastros de reserva em um cenário que permite indicação de uma ordem de preferência de cargos será desafiadora. Entretanto, trata-se de ação possível por centrada em uma esfera federativa – União –, quando regulada por regras detalhadas que não se restrinjam ao edital.

À guisa de conclusão, podemos imaginar experimentos semelhantes em estados e municípios. Nos municípios, notadamente naqueles de pequeno porte, seria possível pensar até mesmo na organização conjunta de um só concurso abrangendo municípios variados, permitindo racionalização dos custos, otimização da execução e mesmo um maior número de inscritos. Por fim, a despeito da novidade que merece atenção e elogios, é importante assentar que o concurso público é somente o marco inicial da vida funcional: para que possamos falar em verdadeira gestão de pessoal, é preciso que o concurso esteja conectado ao estágio probatório, à capacitação continuada e à avaliação permanente de desempenho.

O inventário de problemas chega a ser desanimador, e a má notícia é que existem outros tantos que frequentemente se renovam. Entretanto, a iniciativa merece atenção em razão de sua potencialidade para produzir resultados positivos.

Inicialmente, a racionalização e convergência do esforço de órgãos e entidades variados é importante. A realização de certames diferentes para cargos assemelhados – na administração federal – poderia trazer não somente mais gastos como também menos racionalidade para objetivar a seleção, com a utilização de parâmetros distintos para cargos que necessitam de competências e habilidades assemelhadas. A possibilidade de escolha de vários cargos em ordem de prioridade, dentro do mesmo bloco temático, também contribui para a racionalidade do processo de ingresso. Aliás, a seleção com base em competências – e não somente em conhecimentos – é um desafio ainda em aberto, cuja dificuldade ganha envergadura em um cenário que demanda descrição de atributos em lei, que devem ter relativa estabilidade. Como descrever competências na lei de forma a não engessar o perfil dos servidores e, ao mesmo tempo, proporcionar atualização e capacitação continuadas continua sendo um problema sem solução definitiva.

Outro problema prático cuja solução pode ser aprimorada por intermédio do concurso unificado é a grande mobilidade em determinadas carreiras, com instabilidade na recomposição do quadro de pessoal em algumas instituições e em alguns locais. Carreiras menos atrativas (sobretudo, em razão da menor retribuição pecuniária) geralmente são objeto de maior rotatividade: candidatos com maior preparo costumam buscar outra posição pública, desfalcando aquela inicial em determinado momento. Os problemas de lotação (relativos ao local da prestação de serviços) também são frequentes, sobretudo em órgãos federais: candidatos que passam a trabalhar longe de sua cidade de origem comumente – e naturalmente – buscam formas de retornar para ‘casa’, seja por meio de movimentação na carreira, seja por meio de aprovação em outros concursos. Esses problemas demandam uma compreensão de carreira que não se limite ao ingresso (no caso, o procedimento do concurso público). Com efeito, há necessidade da criação de mecanismos que estimulem (e mesmo exijam) a permanência em locais de difícil lotação, ao mesmo tempo em que prevejam a atualização contínua da força de trabalho necessário e aquela disponível. A gestão dos diversos cadastros de reserva em um cenário que permite indicação de uma ordem de preferência de cargos será desafiadora. Entretanto, trata-se de ação possível por centrada em uma esfera federativa – União –, quando regulada por regras detalhadas que não se restrinjam ao edital.

À guisa de conclusão, podemos imaginar experimentos semelhantes em estados e municípios. Nos municípios, notadamente naqueles de pequeno porte, seria possível pensar até mesmo na organização conjunta de um só concurso abrangendo municípios variados, permitindo racionalização dos custos, otimização da execução e mesmo um maior número de inscritos. Por fim, a despeito da novidade que merece atenção e elogios, é importante assentar que o concurso público é somente o marco inicial da vida funcional: para que possamos falar em verdadeira gestão de pessoal, é preciso que o concurso esteja conectado ao estágio probatório, à capacitação continuada e à avaliação permanente de desempenho.

O inventário de problemas chega a ser desanimador, e a má notícia é que existem outros tantos que frequentemente se renovam. Entretanto, a iniciativa merece atenção em razão de sua potencialidade para produzir resultados positivos.

Inicialmente, a racionalização e convergência do esforço de órgãos e entidades variados é importante. A realização de certames diferentes para cargos assemelhados – na administração federal – poderia trazer não somente mais gastos como também menos racionalidade para objetivar a seleção, com a utilização de parâmetros distintos para cargos que necessitam de competências e habilidades assemelhadas. A possibilidade de escolha de vários cargos em ordem de prioridade, dentro do mesmo bloco temático, também contribui para a racionalidade do processo de ingresso. Aliás, a seleção com base em competências – e não somente em conhecimentos – é um desafio ainda em aberto, cuja dificuldade ganha envergadura em um cenário que demanda descrição de atributos em lei, que devem ter relativa estabilidade. Como descrever competências na lei de forma a não engessar o perfil dos servidores e, ao mesmo tempo, proporcionar atualização e capacitação continuadas continua sendo um problema sem solução definitiva.

Outro problema prático cuja solução pode ser aprimorada por intermédio do concurso unificado é a grande mobilidade em determinadas carreiras, com instabilidade na recomposição do quadro de pessoal em algumas instituições e em alguns locais. Carreiras menos atrativas (sobretudo, em razão da menor retribuição pecuniária) geralmente são objeto de maior rotatividade: candidatos com maior preparo costumam buscar outra posição pública, desfalcando aquela inicial em determinado momento. Os problemas de lotação (relativos ao local da prestação de serviços) também são frequentes, sobretudo em órgãos federais: candidatos que passam a trabalhar longe de sua cidade de origem comumente – e naturalmente – buscam formas de retornar para ‘casa’, seja por meio de movimentação na carreira, seja por meio de aprovação em outros concursos. Esses problemas demandam uma compreensão de carreira que não se limite ao ingresso (no caso, o procedimento do concurso público). Com efeito, há necessidade da criação de mecanismos que estimulem (e mesmo exijam) a permanência em locais de difícil lotação, ao mesmo tempo em que prevejam a atualização contínua da força de trabalho necessário e aquela disponível. A gestão dos diversos cadastros de reserva em um cenário que permite indicação de uma ordem de preferência de cargos será desafiadora. Entretanto, trata-se de ação possível por centrada em uma esfera federativa – União –, quando regulada por regras detalhadas que não se restrinjam ao edital.

À guisa de conclusão, podemos imaginar experimentos semelhantes em estados e municípios. Nos municípios, notadamente naqueles de pequeno porte, seria possível pensar até mesmo na organização conjunta de um só concurso abrangendo municípios variados, permitindo racionalização dos custos, otimização da execução e mesmo um maior número de inscritos. Por fim, a despeito da novidade que merece atenção e elogios, é importante assentar que o concurso público é somente o marco inicial da vida funcional: para que possamos falar em verdadeira gestão de pessoal, é preciso que o concurso esteja conectado ao estágio probatório, à capacitação continuada e à avaliação permanente de desempenho.

Fonte: Consultor Jurídico

Após Lei 14.112/2020, certidão negativa fiscal é indispensável para deferimento da recuperação

Para a Terceira Turma, após a entrada em vigor da nova lei e tendo sido instituído programa de parcelamento tributário, a certidão negativa passou a ser obrigatória na recuperação.

​Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), com a entrada em vigor da Lei 14.112/2020 e havendo programa de parcelamento tributário implementado, tornou-se indispensável a apresentação das certidões negativas de débito tributário – ou certidões positivas com efeito de negativas – para o deferimento da recuperação judicial.

O entendimento foi estabelecido pelo colegiado ao negar recurso especial em que um grupo empresarial sustentava, entre outros argumentos, que a exigência de comprovação de regularidade fiscal para o deferimento da recuperação seria incompatível com o objetivo de preservar a função social da empresa.

Ainda de acordo com as empresas recorrentes, a dispensa das certidões negativas não traria prejuízo à Fazenda Pública, tendo em vista que as execuções fiscais não são atingidas pelo processamento da recuperação judicial.

O caso teve origem em pedido de recuperação no qual o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) determinou, de ofício, que as empresas providenciassem a regularização fiscal, sob pena de decretação de falência. Além de questionar essa exigência, as empresas recorreram ao STJ alegando que o tribunal proferiu decisão extra petita ao determinar a apresentação da documentação fiscal.

STJ modificou entendimento sobre obrigatoriedade da certidão após Lei 14.112/2020

O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator, lembrou a evolução do tema no STJ. Segundo ele, após a entrada em vigor da Lei 11.101/2005, a corte entendeu que, por não ter sido editada lei que tratasse especificamente do parcelamento dos débitos tributários das empresas em recuperação, não se poderia exigir a apresentação das certidões indicadas no artigo 57 daquela norma, nem a quitação prevista no artigo 191-A do Código Tributário Nacional, sob pena de tornar inviável o instituto da recuperação judicial.

Depois da edição da Lei 14.112/2020 – que, de acordo com o ministro, implementou “um programa legal de parcelamento factível” para as dívidas federais –, a Terceira Turma, no REsp 2.053.240, passou a considerar não ser mais possível dispensar a apresentação das certidões negativas de débitos fiscais para o deferimento da recuperação.

“Logo, após as modificações trazidas pela Lei 14.112/2020, a apresentação das certidões exigidas pelo artigo 57 da Lei 11.101/2005, com a ressalva feita em relação aos débitos fiscais de titularidade das fazendas estaduais, do Distrito Federal e dos municípios, constitui exigência inafastável, cujo desrespeito importará na suspensão da recuperação judicial”, completou.

Ausência de certidões não resulta em falência, mas na suspensão da recuperação

Segundo o voto do ministro Cueva, constatada a violação ao artigo 57 da Lei 11.101/2005, o TJSP poderia analisar a questão de ofício – ou seja, sem necessidade de manifestação da parte credora sobre o assunto.

Apesar dessa possibilidade, o relator destacou que a não apresentação das certidões fiscais não resulta na decretação de falência da empresa – por falta de previsão legal nesse sentido –, mas sim na suspensão da recuperação judicial.

Fonte: STJ

AGU defende tratamento digno a mulheres vítimas de violência sexual

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu nesta terça-feira (23) no Supremo Tribunal Federal (STF) a procedência da ação que pretende garantir que vítimas de crimes sexuais sejam tratadas de forma digna durante a tramitação de processos.

No parecer elaborado pela Advocacia-Geral da União (AGU), Lula e o órgão se manifestaram a favor do entendimento para impedir que juízes avaliem a vida sexual pregressa da vítima. 

A ação chegou ao Supremo no fim do ano passado por meio da Procuradoria-Geral da República (PGR). O órgão quer impedir a desqualificação moral de mulheres que denunciam crimes sexuais.

Ao concordar com os argumentos da procuradoria, a AGU entendeu que fatos alheios à investigação em curso não podem ser avaliados contra a mulher denunciante.

“Forte no reconhecimento do direito fundamental de todas e de cada vítima de crimes contra a dignidade sexual a um tratamento digno em todas as esferas do Poder Público, conclui-se que é vedado às partes e a seus advogados fazerem menção à vida sexual pregressa ou ao modo de vida da vítima em audiência de instrução e julgamento de crimes contra a dignidade sexual”, opinou a AGU.

Mari Ferrer

Um dos casos que motivou a ação da PGR ocorreu com a modelo e influenciadora digital Mariana Ferrer, em 2018. Durante audiência na qual prestou depoimento na condição de vítima de estupro, ela foi constrangida pelo advogado do acusado. 

O episódio provocou a aprovação da Lei Mari Ferrer, norma que protege vítimas e testemunhas de constrangimentos.  

No ano passado, o juiz responsável pelo caso, Rudson Marcos​, foi advertido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Fonte:

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Impossibilidade de cobrança de dívida prescrita? Que tiro foi esse?

No finalzinho de 2023 (17/10/2023), o Superior Tribunal de Justiça julgou o Recurso Especial nº 2.088.100/SP, firmando precedente no sentido de que o reconhecimento da prescrição impede tanto a cobrança judicial quanto extrajudicial da dívida. Sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi, a 3ª Turma entendeu, à unanimidade, que o método ou meio empregado na cobrança (judicial ou extrajudicial) é irrelevante, uma vez que a pretensão de ver a dívida paga é praticamente tornada ineficaz pela prescrição.

Votando com a relatora, o ministro Marco Aurélio Bellizze destacou que havia julgado de sua relatoria (AgInt nos EDcl no AREsp nº 2.334.029/SP) baseado no AgInt no AREsp nº 1.529.662/SP, também da 3ª Turma, que se amparou equivocadamente no REsp nº 1.694.322/SP, no qual se definiu questão diversa, qual seja, a de que a prescrição não enseja a inexistência da dívida ou a quitação do débito.

Assim, valendo-se majoritariamente de doutrina estrangeira (direito comparado), para respaldar o resultado do julgado, a relatora concluiu que:

“Em que pese a conclusão alcançada, não se desconhece que o crédito (direito subjetivo) persiste após a prescrição; contudo, a sua subsistência não é suficiente, por si só, para permitir a cobrança extrajudicial do débito, uma vez que a sua exigibilidade, representada pela dinamicidade da pretensão, foi paralisada/encoberta. Por outro lado, nada impede que o devedor, impelido, por exemplo, por questão moral, em ato de mera liberalidade, satisfaça a dívida prescrita. Tampouco há qualquer impedimento a que o devedor, voluntariamente, impelido pelos valores mais diversos, renuncie à prescrição e pague a dívida.

(…)

Em breve síntese, entende-se que o reconhecimento da prescrição da pretensão impede tanto a cobrança judicial quanto a cobrança extrajudicial do débito.”

Em que pese o brilhantismo do voto condutor do acórdão (que é peculiar aos julgados de relatoria da ministra Nancy), esse entendimento parece contrariar a doutrina nacional majoritária, bem como a jurisprudência pacificada no âmbito da própria corte.

Nesse sentido, “é a ideia de Beviláqua, Espínola, Carpenter, Câmara Leal, Carvalho Santos (cf. GOMES, Orlando, ob. cit., p. 518). Também Silvio Rodrigues: ‘O que perece, portanto, através da prescrição extintiva, não é o direito. Este pode, como ensina Beviláqua, permanecer por longo tempo inativo, sem perder a sua eficácia. O que se extingue é a ação que o defende’ (Direito Civil — Parte Geral, 28. ed., v. I, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 318)”.[1]

Ora, se o direito (crédito) não perece e não perde a sua eficácia, isto é, se permanece existente no mundo dos fatos, não pode ser aniquilado com o reconhecimento da prescrição do direito de ação (direito constitucional e processual civil), especialmente se existir (como existem) outros mecanismos jurídicos que não se apequenam diante desses dois ramos do direito, tais como os costumes e os princípios gerais.

Anderson Schreiber alerta que:

“Atualmente, há certo consenso de que a interpretação jurídica não se limita à análise servil da lei, nem se subordina exclusivamente à produção estatal, nem tampouco pode se centrar em concepções pessoais de justiça ou desconsiderar o dado normativo como emanação de uma sociedade democrática e pluralista. Deve o intérprete escapar ao dogmatismo formalista, mas também ao dogmatismo sociológico. Seu desafio cotidiano consiste em extrair das normas jurídicas o seu sentido e alcance à luz do próprio ordenamento, visto não apenas em sua literalidade, mas também em seu conjunto, em sua história e em seus fins, assim entendidos os valores a cuja concretização se propõe a ordem jurídica por meio de sua norma fundamental, a Constituição da República, compreendida com base na permanente dialética com a realidade social.

Alude-se a uma interpretação jurídica aplicativa, voltada não para um projeto explícito de reforço ou contestação da autoridade legislativa estatal, mas para a máxima concretização dos valores constitucionais em cada caso concreto“[2]

De acordo com os costumes, normalmente quem deve paga. Ademais, pagar o que deve é apenas consequência lógica e consagração dos princípios gerais do ordenamento jurídico: suum cuique tribuere (dar a cada um o que é seu), honeste vivere (viver honestamente) e neminem laedere (não causar dano a ninguém). Ademais, a ninguém é dado beneficiar-se de sua própria torpeza (venire contra factum proprio).

Não faz sentido afirmar que um direito existe, mas não pode ser perseguido extrajudicialmente. É como estar com fome, ter um pão, mas não poder comê-lo, porque passou do horário. Se há fome e há pão, o horário é de menos!

A pretensão é algo volitivo, de natureza pessoal, que transcende o processo judicial e seus institutos como a prescrição. Quem pretende receber algo (porque sente que lhe é devido) não pode ser proibido de exercer a faculdade de cobrá-la, por todos os meios admitidos no ordenamento jurídico. Na lição de Pontes de Miranda, pretensão é “a posição subjetiva de poder exigir de outrem alguma prestação positiva ou negativa” [3], e isso (entendemos), independe da via pela qual se perseguirá o direito material, se judicial ou extrajudicial.

É nesse sentido que ao contrário do que consignou o precedente em discussão, entendemos que a pretensão vista como vontade pessoal, se submete ao princípio da indiferença das vias, mas sob outro viés: pode ser exercida tanto judicial, quanto extrajudicialmente.

Nada obstante, infere-se que a chamada teoria da pretensão [4] (utilizada no julgado) foi adotada pelo Código Civil de 2002, em seu artigo 189, assim redigido “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os artigos 205 e 206″.

Com a devida venia, entendemos que esse dispositivo legal deve ser interpretado à luz do artigo 5º da LINDB, segundo o qual “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”, de sorte que a prescrição não fulminará o direito de o credor perseguir o seu crédito por outras vias admitidas no ordenamento jurídico.

Não se pode desvirtuar o princípio da indiferença das vias, para se sustentar que “pouco importa a via ou instrumento utilizado para a realização da cobrança, porquanto a pretensão — que é o instituto de direito material que confere ao credor esse poder — encontra-se praticamente inutilizada pela prescrição. O fenômeno ocorreu no plano do direito material”, pois, a sua finalidade é exatamente o contrário.

Nesse sentido:

“Se o comprador deixa de pagar o que deve ao vendedor, a este deve ser concedido o direito de buscar o adimplemento. Em outras palavras, quando a norma de direito material prescreve determinada obrigação e esta é descumprida, é fundamental que o Estado proporcione ao jurisdicionado meios para resguardar o seu direito. Se não fosse assim, as normas materiais teriam nenhuma utilidade”.[5]

Em outras palavras, se a prescrição não resulta na inexistência da dívida ou no pagamento da obrigação, é necessário admitir que tais direitos podem ser reivindicados por meios distintos do processo judicial (observado o princípio da adequabilidade dos meios), sob pena de se violar o dever de lealdade, honestidade, boa-fé, cooperação e respeito às legítimas expectativas de quem teve o seu patrimônio reduzido, na esperança de receber uma contraprestação.

Assim, pode até não haver mais espaço para a tutela jurisdicional (que não se confunde com prestação jurisdicional, que é o direito de ação), mas a relação jurídica fática entre dívida e pagamento permanecem incólumes, de sorte que se houver cobrança extrajudicial adequada, não caberá ao Poder Judiciário declará-la inviável. Nesse sentido, “inviável a declaração de inexistência de uma relação jurídica em razão da ocorrência da prescrição, que extingue apenas a pretensão, mas não o próprio direito violado, que permanece hígido” (AgInt no AREsp nº 2.279.848/PE, relator ministro Raul Araújo, 4ª Turma, DJe de 23/6/2023).

Dessa forma, a pretensão de receber o crédito permanece hígida até que o credor abra mão dela, o que não terá mais espaço é a coercitividade alcançada pela via do Poder Judiciário [6].

Entender de forma contrária seria ressuscitar a já superada teoria imanentista do direito romano, no sentido de que a ação judicial nada mais é do que o próprio direito lesado (embora se afirme o contrário no voto, mas na prática acaba sendo isso). Para essa teoria, “não se visualizava a nítida distinção entre o direito de ação em si (de pedir do Estado o provimento jurisdicional) e o próprio direito material violado” [7].

Ao fundamentar-se em doutrina majoritariamente estrangeira para afastar a possibilidade de cobrança extrajudicial de dívidas prescritas, a decisão do STJ suscita questionamentos sobre a adequação dessa abordagem à realidade cultural brasileira, que infelizmente vai na contramão da expectativa de que o devedor se valerá de seus valores morais para, por mera liberalidade, pagar o que deve. A cultura brasileira apresenta nuances específicas no que diz respeito ao cumprimento de obrigações financeiras. A tolerância social ao inadimplemento e a busca por brechas para não quitar a dívida são elementos que distinguem a abordagem brasileira em relação a outros sistemas jurídicos.

A crença de que o devedor pagará a dívida prescrita com base em seus “valores morais” é ingênua, especialmente se esses valores não foram acionados quando a dívida não estava prescrita. A imoralidade do ato de dever e não pagar não pode ser prestigiada apenas pela inatividade do credor em buscar o crédito.

Ao se proibir a cobrança extrajudicial de dívidas prescritas, é importante considerar as implicações dessa decisão sob a perspectiva do conceito aristotélico de justiça. Tal vedação também pode ser interpretada como uma quebra da boa-fé contratual, uma vez que a prescrição não exonera o devedor de seu dever ético e moral de honrar seus compromissos.

A busca pela equidade, proporcionalidade e correção de desigualdades deve ser um pilar fundamental na interpretação das normas jurídicas, para que a justiça seja efetivamente realizada em conformidade com os princípios éticos e morais que orientam nossa sociedade, conforme os princípios gerais de direito acima citados.

A prescrição é um instituto jurídico, e como tal, não pode ser utilizado para malferir o espírito do próprio ordenamento. É dizer: se por um lado a prescrição beneficia o devedor, por outro não pode sacrificar o direito do credor. Ao equilibrar o dever de pagar e o direito de receber na balança justa e imparcial de Themis, é evidente que o direito de receber prevalecerá, pois reflete a justiça que lhe é inerente.

No ordenamento jurídico contemporâneo, não há espaço para a existência de um direito desprovido de alguma via que lhe permita ser concretizado. Os direitos, por si só, não são eficazes se não houver meio para assegurar sua realização.

Se a impossibilidade de exercer o direito de ação não resulta na extinção do direito material, isso significa que esse direito permanece válido e pode ser buscado por outros meios legalmente aceitos. Caso contrário, desconsiderar essa premissa seria anular sua essência.

Em outras palavras, se a mera existência da dívida não é o bastante para permitir sua cobrança fora do ambiente judicial, na prática, isso equivaleria a afirmar que o crédito, de fato, sequer existe. Todavia, pensamos que o enfoque deve estar no direito em si, e não na forma como ele será buscado após transcorrida a prescrição, especialmente se essa forma não violar o ordenamento jurídico.

Dessa forma, a cobrança extrajudicial de dívida prescrita deve ser considerada válida, uma vez que não visa a efetivar pretensão judicial, mas sim a buscar o adimplemento de uma obrigação que inquestionavelmente existe.


[1] STOLZE, Pablo; Pamplona Filho, Rodolfo. Manual de direito civil – volume único – 4. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 2.592 (e-book).

[2] SCHREIBER, Anderson Manual de direito civil: contemporâneo – 3. ed. –São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 110.

[3] MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado, Rio de Janeiro: Borsoi, 1955, v. V, p. 451.

[4] Anderson Schreiber, op. cit. pp.  421-422 ensina que “Se, por um lado, há consenso em que a prescrição extingue, não há unanimidade sobre o que ela extingue. Há três correntes doutrinárias sobre essa temática no Brasil. Para a primeira corrente, a prescrição extingue o próprio direito em si. Foi a posição adotada, entre nós, por Eduardo Espínola, em seu célebre Sistema de Direito Civil Brasileiro, e corresponde à orientação mais tradicional no direito pátrio. Para a segunda corrente, a prescrição extingue apenas a ação, e não o direito em si, que ainda pode ser atendido espontaneamente pelo titular do dever jurídico correspondente. De fato, quem efetua o pagamento de uma dívida já prescrita não pode exigir restituição do que pagou, conforme expressamente registra o art. 882 do Código Civil brasileiro. Disso se extrai que o direito continua ‘vivo’. Houvesse sido extinto o direito de crédito, o pagamento da dívida prescrita geraria uma transferência patrimonial desprovida de causa, em outras palavras, um enriquecimento sem causa, que autorizaria quem pagou a exigir restituição. Daí se conclui que a prescrição não fulmina o direito. Fulminaria, então, para essa segunda corrente, a ação. Ficaria o sujeito com ‘um direito desprovido de ação’. Foi a posição adotada por Clóvis Beviláqua, autor do projeto do Código Civil de 1916, e por Câmara Leal, que dedicou volume importantíssimo ao estudo da prescrição e da decadência. Os adeptos da terceira e última corrente sustentam que a prescrição não atinge nem o direito material, que ainda pode ser atendido espontaneamente, nem o direito de ação, que, autônomo e abstrato, se exerce, de acordo com a processualística contemporânea, em face do Estado, com vistas à obtenção de um provimento jurisdicional que independe do direito em si. O que a prescrição atinge, portanto, é a pretensão de direito material, a Anspruch do direito alemão, que consiste na exigibilidade, judicial ou não, daquele direito. Como sustenta Fábio Konder Comparato, a razão do êxito do direito alemão na interpretação do instituto da prescrição reside no fato de que a doutrina, desde o período da pandectística, soube decompor as facultas agendi do sujeito de direito de forma clara e exata (…). O direito subjetivo, categoria bruta que transcende o campo do direito das obrigações, decompõe-se, na verdade, em dois elementos que exigem visualização: um direito estático à prestação e um direito de exigir essa mesma prestação (…). Esse direito de exigir, facultas exigendi é, sem dúvida, projeção do direito à prestação, mas com ele não se confunde (…) é o que a doutrina germânica denominou pretensão, conceito forjado por Windscheid, em meados do século XIX em obra famosa sobre a actio romana. A pretensão não se confunde com o direito de ação: é noção de direito material e somente existe no direito subjetivo, que atribui ao seu titular o direito a uma prestação”.

Fonte: Consultor Jurídico

Protestos em São Paulo chamam a atenção para impunidade por Brumadinho

Cinco anos após o rompimento da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais, a capital paulista recebe exposição de arte e realiza ato na Avenida Paulista com objetivo de chamar a atenção para a impunidade dos responsáveis pela tragédia. Em 25 de janeiro de 2019, a ruptura de uma barragem da mineradora Vale deixou 270 mortos e provocou degradação ambiental em diversos municípios mineiros.

Até 25 de fevereiro, a exposição Paisagens Mineradas estará aberta ao público na Matilha Cultural, localizada no centro da cidade. No espaço, os visitantes têm acesso a obras produzidas por dez mulheres artistas visuais, que tratam do tema da mineração e seus impactos na sociedade e no meio ambiente. 

São fotografias, gravuras, esculturas, vídeos e instalações artísticas que buscam reflexão sobre o histórico da mineração no Brasil e seu caráter inerentemente danoso à natureza e às pessoas. As participantes da mostra são Beá Meira, Julia Pontés, o coletivo Kujỹ Ete Marytykwa’awa, Isadora Canela, Isis Medeiros, Lis Haddad, Luana Vitra, Mari de Sá, Shirley Krenak e Silvia Noronha. 

Já o Ato Memória e Justiça, pelas vítimas do rompimento da barragem de Brumadinho será realizado quinta-feira (25), das 11h às 16h, na Avenida Paulista, esquina com a Rua Pamplona. Os eventos têm organização do Instituto Camila e Luiz Taliberti, fundado em homenagem a duas das vítimas da tragédia, e da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos (Avabrum). 

Pela programação do ato, às 12h28, horário em que a barragem se rompeu, uma sirene soará na hora do discurso da porta-voz do instituto. Depois, às 13h28 e às 14h28, novos toques da sirene serão acompanhados por discursos em homenagem às vítimas da tragédia em Brumadinho. 

Além da exposição e do ato, o instituto relança o Manifesto Basta de Impunidade. Justiça por Brumadinho, exigindo celeridade no andamento dos processos, e pede que todas as pessoas consideradas responsáveis sejam processadas e julgadas pelos crimes identificados nas investigações.

Fonte:

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Em repetitivo, STJ define que redução de juros de mora por quitação antecipada de débito fiscal atinge valor original da dívida

Julgamento da Primeira Seção analisou a Lei 11.941/2009, que prevê programa de parcelamento de dívidas tributárias e define incentivos no caso da quitação total ou parcial dos débitos.

​A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos especiais repetitivos (Tema 1.187), fixou a seguinte tese: “Nos casos de quitação antecipada, parcial ou total, dos débitos fiscais objeto de parcelamento, conforme previsão do artigo 1º da Lei 11.941/2009, o momento de aplicação da redução dos juros moratórios deve ocorrer após a  consolidação da dívida, sobre o  próprio montante devido originalmente a  esse título, não existindo amparo legal para que a exclusão de 100% da multa de mora e de ofício implique exclusão proporcional dos juros de mora, sem que a lei assim o tenha definido de modo expresso”.

Com a fixação da tese, poderão voltar a tramitar todos os processos que estavam suspensos à espera do julgamento do repetitivo. O precedente qualificado deverá ser observado pelos tribunais de todo país na análise de casos semelhantes.

Lei tratou de rubricas componentes do crédito tributário de forma separada

O relator do recurso repetitivo, ministro Herman Benjamin, ressaltou que, no julgamento do EREsp 1.404.931, a Primeira Seção consolidou o entendimento de que a Lei 11.941/2009 concedeu remissão apenas nos casos expressamente especificados pela própria lei.

Segundo o relator, no mesmo julgamento, ficou estabelecido que, no contexto de remissão, a Lei 11.941/2009 não apresenta qualquer indicação que permita concluir que a redução de 100% das multas de mora e de ofício – conforme previsto no artigo 1º, parágrafo 3º, inciso I, da lei – resulte em uma diminuição superior a 45% dos juros de mora, a fim de alcançar uma remissão integral da rubrica de juros.

O magistrado explicou que essa compreensão deriva do fato de que os programas de parcelamento instituídos por lei são normas às quais o contribuinte adere ou não, segundo seus critérios exclusivos. Todavia, ocorrendo a adesão – apontou –, o contribuinte deve se submeter ao regramento previsto em lei.

“A própria lei tratou das rubricas componentes do crédito tributário de forma separada, instituindo para cada uma um percentual específico de remissão, de forma que não é possível recalcular os juros de mora sobre uma rubrica já remitida de multa de mora ou de ofício, sob pena de se tornar inócua a redução específica para os juros de mora”, afirmou.

Não há amparo legal para que a exclusão da multa de mora e de ofício implique exclusão proporcional dos juros de mora

Herman Benjamin também ressaltou que a questão a respeito da identificação da base de cálculo sobre a qual incide o desconto de 45% já foi analisada pela Primeira Seção no Tema Repetitivo 485 do STJ, oportunidade em que se esclareceu que a totalidade do crédito tributário é composta pela soma das seguintes rubricas: crédito original, multa de mora, juros de mora e, após a inscrição em dívida ativa da União, encargos do Decreto-Lei 1.025/1969.

Dessa forma, para o relator, é possível concluir que a diminuição dos juros de mora em 45% deve ser aplicada após a consolidação da dívida, sobre o próprio montante devido originalmente a esse título, não existindo amparo legal para que a exclusão de 100% da multa de mora e de ofício implique exclusão proporcional dos juros de mora, sem que a lei assim o tenha definido de modo expresso.

“Entendimento em sentido contrário, além de ampliar o sentido da norma restritiva, esbarra na tese fixada no recurso repetitivo, instaurando, em consequência, indesejável insegurança jurídica no meio social”, declarou.

Fonte: STJ